Expressão da minha terra que significa coisas tão diferentes e opostas como repugnância, enfado, surpresa, alegria, alivio, espanto. Expressão que me lembra a minha avó e me une à minha África-berço que não conheço. Uma palavra inteligente, que obriga a interpretar por inteiro a frase, incluindo a entoação e o sorriso ou a interrogação que dela fazem parte.
Eu e a Torre
Outra vez parada aqui, nesta minha tão pequena e insignificante mas por vezes dolorosa existência. Ao fim de uns dias a fazer noites, mesmo repondo algum sono em manhãs partidas, desmorono cá dentro. Porque há coisas que não vão bem com a Maria, com a casa, comigo mesma. Há um nível de incompreensão que fica a saber a falta de colo, a falta de quem cuide. Ao ponto de não estar já sequer a conseguir manter o telefonema diário para a minha mãe. Não me apetece. Já não me apetece nada nem ninguém. Momentos da batalha em que me sinto sozinha e em que tentar desabafar só piora as coisas. E eu aguento tudo, mais ou menos ao longo da vida fui sempre sozinha nas minhas batalhas, pelo menos foi assim que sempre me senti no caminho. Fraquejo num ponto chamado Maria. Ninguém percebe que a minha filha não pode tomar penicilina como quem toma benurons. E que ela não é uma barbie ou um peluche. E eu só tenho mais é que perceber que ninguém tem obrigação de nada e que se eu não estou bem, ponho-me. E porra, deixem-me em paz, que bastam-me as obras infernais no andar de cima. Deitar-me às 2h da madrugada, levantar-me às 7h para preparar a minha filha e não voltar a dormir mais porque às 8h começam as marteladas. E não há ninguém - ninguém - que me cuide ou valorize. Há quem me estique, quem puxe ainda mais por mim, quem me repreenda, quem ache sempre que eu tenho que fazer melhor.
A fritar a pipoca, sabem. Vontade de desligar o botão e ser esquecida de vez por todos.
Eu só quero dormir.
Alguma esperança neste mundo cão
Saber daqueles jovens universitários, que nos Estados Unidos se manifestaram e se sujeitaram à violência policial, para dizer NÃO à guerra em Gaza.
(...)
Dia da Mãe
Foi ontem, dia 5 de Maio.
Ás vezes tento, forço uma ponte de ternura com a minha mãe, e essa ponte precisa de dois lados para existir. Tento. Ontem só fiz um esboço de tentativa, nem sequer fui capaz de insistir. Ontem estava tão exausta que optei por ser só mãe. Mãe da minha Maria, do meu Sol de menina, do meu Amor perfeito.
Que me perguntou do nada: "Mamã, porquê que tu nunca ficas doente?"
(...)
Ontem dia da Mãe. Dia de festa para ela e o pai, dois leõezinhos autênticos, felizes, porque o Sporting foi Campeão. E enquanto eu me dedicava a dobrar um Evereste de meias e cuecas, eu e o pai decidimos coisas importantes. Porque é assim que a vida acontece de verdade, nas decisões. No Viver, sem ficar à espera da hora perfeita ou de grandes momentos.
Dia da Mãe, dia de muitas coisas que nunca mais vamos esquecer.
Adenda ao post anterior
Ás vezes surge o dilema entre o que sabemos que não deve ser negociável, e os nossos valores muitas vezes acima de direitos e deveres, de décadas de luta, bulas papais e o diabo a quatro.
Gente, fazer um turno das 7h à meia-noite num Hospital, pode mesmo ser necessário. O que não pode é ser um hábito, uma coisa que se repete. Mas num caso isolado, sim. Trabalhamos para o doente, a máquina tem que funcionar sempre. E nos bastidores estão pessoas, que adoecem, que morrem, que falham.
Aos 45 anos o turno mais longo de trabalho que fiz, foi num dia do trabalhador. Voltarei a fazê-lo, se a minha consciência ditar. Sem que isso ponha em perigo tudo aquilo em que acredito e o quão estou grata a todos aqueles que lutam arduamente pela garantia dos direitos assegurados de todos nós.
Mãe, hoje também é o teu dia
Tenho saudades tuas.
Apesar de muitas vezes sentir que vivemos em planetas diferentes.
Sabes, nunca senti de ninguém um amor tão incondicional como o que tu tens por mim. Sinto pela minha filha um amor maior do que por todas as coisas do mundo juntas; e talvez só por isso eu compreenda tamanho amor que me tens.
Obrigada Mãe, serás para sempre a minha primeira e única casa no mundo.
Liberdade
Um punhado de dias cheios de coisas grandes
Ando esgotada de tanto trabalhar. Sem tempo para mais nada a não ser - às três pancadas - para a Maria e para o Luís. A verdade é que pelo menos o esforço compensa, tem valido a pena agarrar-me a mais uma boia de salvação e manter-me segura num emprego que me garante estar à tona. Não é sempre fácil aceitar, mas olho para a minha filha e sei que é por aqui o caminho.
De resto tem aparecido de tudo, pneumonias, amigdalites bacterianas e penicilina a rodos cá para casa. Vale-nos a nossa resiliência familiar e o muito amor que nos une e nos permite surfar as piores ondas.
Tivemos o 25 de Abril e eu nem tempo tive de vir cá assinalar que acredito mesmo que aquele foi um dia fantástico na História de Portugal. Consegui, por acaso, ver uma exposição a propósito com a minha filha. Consegui explicar à Maria que só tem quatro anos, que os Homens às vezes são mesmo muito valentes e corajosos. Foi bom.
Ando espantada. Com o tempo que voltou a trazer-nos um frio a sério. E com a violência nas ruas que cresce assustadoramente. Sobre o tempo, é aceitar. Mas sobre a violência custa-me que não se faça rigorosamente nada para travar um problema crescente que num país tão pequeno vai ser pior que um rastilho de pólvora. Aqui mesmo na rua onde moro, tudo mudou tanto em tão pouco tempo.
Soube de dois milagres grandes: a Petra está a travar a luta dela contra um cancro agressivo, e o tumor regrediu. E o sr. Paulo que esteve setenta dias em coma, regressou ao trabalho.
A Maria descobriu as Lol, avizinham-se tempos de parvoeira connosco a embarcar nas ansiedades dela. Esta semana disse-me duas palavras novas. Com quatro anos perguntou à avó em que faixa etária está. E hoje fez-me ir ao dicionário procurar o significado de calabresa.
Tenho a sensação de que está tudo a acontecer muito muito rápido. Talvez seja um sinal, talvez seja eu que tenha que ir mais devagar.
"Sair da ilha é a pior maneira de ficar nela." Daniel de Sá, in Transeatlântico
Tenho tantas saudades. Tantas que às vezes dói do jeito de moideira fininha que não mata mas martela. Eu que nasci em África e vivi quase toda a minha vida em Portugal, fiquei para sempre refém de Fuerteventura pelo coração. É com o passar do tempo, com o esclarecimento que traz a vida e a idade, que pesa em mim uma saudade grande de ter como janelas as montanhas. De viver com o vento. De ser do mar de manhã à noite, o ano inteiro. De conhecer de cor todas as tonalidades do sol ao longo do dia. Da terra quente e preta, do coração do vulcão a pulsar nas mil formas tomadas pela lava. Do próprio povo que não precisa de mais. De beber sem fim de dias calmos, de horizontes sem mais nada, só feitos de linha do horizonte mesmo. Das cabras a parecer perdidas na paisagem. Das tuneiras, das acácias. (...)
Um dia a valer por muitos
O eclipse trouxe a Primavera
Acredito mesmo que trouxe além do mar de fundo revolto que já vai ceifando vidas, mudanças em nós tão profundas e fortes como a força das marés. O certo é que no dia seguinte puff! Tivemos finalmente Sol! E a minha alminha que andava sedenta de luz, percebeu pela milionésima vez que o grande milagre de todos os dias, está na força e constância ou inconstância da Natureza. É imenso o que nos oferece numa mensagem implacável de esperança e recomeço, é tremendo o poder de cura, é realmente grandioso o poder do belo com que gratuitamente nos contempla.
Mas sobre as mudanças interiores em cada um, as bestas às vezes só ficam mais bestas. Prova disso foi o que presenciei esta semana num autocarro. Uma senhora seguramente com mais de 75 anos, que olhava com uma insistência como se nos conhecesse de algum lado, na direção onde estava eu sentada, ao meu lado um rapaz negro como do Senegal e na nossa frente uma senhora cigana de meia idade. Quando a senhora cigana saiu, diz a senhora idosa à amiga, em tom alto e sempre a olhar para mim: "Estou farta, farta, farta! De brasileiros, de pretos e de ciganos! Era mandar tudo daqui para fora que cá só estorvam!" Cautelosamente, só fez o comentário depois da senhora cigana sair, e devia estar perturbada comigo só de pensar que o meu caso seria um dois em um: preta e brasileira! Não consegui dizer nada a esta clara votante do Chega. Ia a comentar com a amiga que o filho que vive do Rendimento Mínimo lhe quer chegar fogo à casa. E eu para os meus adentros, cometi o pecado de pensar: "Cada um tem aquilo que merece. Tenho 45 anos e nunca vivi de qualquer subsidio. Bem haja a minha cor, os meus princípios e a minha educação." E por favor não me venham dizer que em Portugal não há racismo nem ignorância. Um autocarro inteiro ouviu aquilo, e ninguém foi sequer capaz de se pronunciar.
Mas ainda sobre o eclipse, porque temos que culpar alguém, avariou a máquina de café cá em casa, e no extremo da má vibração estalou mais uma guerra no mundo. Acho que é cada vez mais urgente fazermos as coisas bem, sermos pessoas de bem. Cá em casa surgiu uma praga de formigas, coisa nunca vista entre as minhas quatro paredes. Este ano elas estão particularmente activas, mais trabalhadoras do que nunca, a começar mais cedo ainda e teimosas no caminho que nem mulas! Deve ser sinal de alguma coisa. Digo eu.
A outra eu
Quando ainda entro nas lojas e vou direita à coleção de roupa para pequeninos. Quando pego nela ao colo e finjo que ainda me cabe no abraço. Quando a infantilizo e a sento na sanita como se ela ainda usasse o pote. Quando lhe olho para o tamanho e verbalizo que está a crescer depressa demais. Quando eu ainda gosto dos desenhos animados que via com dois anos mas que ela aos quatro já não gosta mais. Quando ainda acho que a posso convencer que iced tea e limão são impróprios para crianças. Quando preparo um cerelac e acabo eu a comê-lo porque ela lembra-se que é comida para bebés. Quando a médica me diz que ela está com uma pneumonia e mesmo no momento em que lhe estou a dar a penicilina bem no fundo do meu coração eu acho que não, que é só uma tosse feinha e uma médica tótó. Quando lhe sinto - e juro que sinto - o mesmo cheiro a bebé de há três anos atrás. Quando ela quer dormir sozinha e sou eu que quero dormir com ela.
Crescer com os filhos nem sempre é linear.
Sobre o que nos salva
Esses pequenos nadas de todos os dias. Uma mensagem, uma imagem. Uma criança a cantar uma canção nova. Um abraço. Um raio de sol no céu cinzento. A preguiça de um gato a lamber-se ao sol. Um bom dia. Um bom café da manhã. A generosidade, a simplicidade. A bondade. A canção da chuva na janela. Os dias grandes de Verão. Lágrimas. Oração e silêncio. Cheiros que lembram dias felizes e pessoas bonitas. O mar. O amor.
(...)
E dizem os gurus
Que são tempos estranhos, que vão acontecer muitas coisas, que vamos andar todos à toa, que o eclipse nos vai deixar às escuras, que vamos crescer puxados pelas orelhas.
Eu gostava muito, mesmo muito, de pelo menos não voltar ao fundo onde andei na semana passada.
Semana em que tudo parece grande demais para mim
O temporal que anda nas ruas, anda cá dentro de mim também. Quero estar sozinha e quieta, não quero nada nem ninguém. Estou exausta e farta de sentir que não tenho qualquer valor. Semana de merda, com oito dias de trabalho que me estão a custar horrores, com a miúda cheia de febre e eu nem sequer posso cuidar da minha filha. Eu nem sequer posso dormir ou descansar direito. Ando pela rua noite adentro com chuvadas impiedosas e um frio de morrer. Uma tristeza que já nem dói. Tudo parece dar errado, até mesmo a minha maternidade. E eu nem sequer encontro o mínimo de compreensão ou colaboração mais activa. Deve ser mais ou menos o que sentem os burros ou as mulas de carga, que não servem para mais nada na vida.
Não sou das que fingem que está tudo bem. Está tudo mal, está tudo péssimo.
Presentes da Maria e do Luís
Sobre a minha teimosia
em ir fazendo coisas de que realmente gosto:
Esta semana, com uma folga isolada antes de oito dias seguidos de trabalho, a sair do trabalho dias a fio à hora pesada da meia-noite, consegui estar presente num encontro de Pediatria oncológica. Ficava dias inteiros a ouvir o Professor Júlio Machado Vaz, um poço sem fundo de saber. O encontro foi no IPO do Porto. Algumas imagens do meu dia, que foi passado entre médicos, enfermeiros, psicólogos e psiquiatras. Mas também em corredores cheios de desenhos e mensagens, por onde circulavam crianças doentes. Também entre palhaços alegres, porque há-de ser sempre a alegria que nos salva:
Só um bocadinho das pérolas ditas pelo Professor Júlio Machado Vaz:
"A maneira como as pessoas sofrem, não tem nada a ver com dor. Nós somos muito mais eficazes a controlar a dor do que o sofrimento."
"O super especialista é alguém que se não tiver cuidado sabe cada vez mais sobre cada vez menos."
"O médico prescreve-se a si próprio: nós fazemos parte do tratamento pela maneira como cuidamos."
"A sobrecarga, o burnout, são sempre maiores nas mulheres. Porque a mulher é a cuidadora por natureza e está muito mais sujeita ao escrutínio."
"Se os profissionais de saúde mantiverem a arrogância, o futuro da Medicina não vai ser um futuro brilhante."
"Os estilos de vida saudáveis não se devem transformar numa santa inquisição. Porque isso às vezes é só o caminho mais curto para o doente desaparecer. É preciso trabalhar a interiorização."
"O doente que vem falar connosco toca muitas vezes cordas sensíveis do nosso violino psicológico."
As invisíveis
Histórias sobre o trabalho de limpeza, um livro de Rita Pereira de Carvalho. Provavelmente o livro de cabeceira mais barato de todos os tempos. Um livro tão pequeno que diz coisas tão grandes.
Ontem deixei definitivamente de ser Psicóloga. Assumo-me uma invisível.
Sobre os ultimos dias
Alguns socos no estômago, algum desencanto. Começo a perceber que nunca mais vou trabalhar na minha área porque simplesmente não mereço. Formei-me e formo-me todos os dias para fazer uma coisa, mas a verdade é que ando sempre atrás de fazer outra. O Univerno não te pode fazer nascer maçãs se tu és uma pereira. E estes dias particularmente sinto um misto de desencanto/tristeza e zanga interior: sempre ouvi o ditado nunca sirvas a quem serviu, parece que vim a este mundo apenas para isso: para servir e enfrentar faltas de educação grosseira, que o meu estômago já não quer aguentar mais.
Para além de tudo estamos na semana da Paixão de Cristo. Dói-me o umbigo, e dói-me o coração.
(...)
Dias de Sol
Cenários que chocam
Perceber que ficaram velhos. Que mal se conseguem mexer. Que chateiam com a repetição das mesmas conversas, tal e qual a Maria. Perceber numa só fotografia todo o acelerar drástico de um processo que vamos ter que viver com eles. Perceber que a fotografia é mesmo triste. E que chegados a essa idade, nem dinheiro nem família garantem nada. A saúde física e mental falha, e é mesmo assim. É só o ciclo natural da vida.
A minha mãe repete com tristeza, já há alguns anos, a mesma ladainha cada vez que se sente contrariada ou incompreendida: "Não se pode ser velho..."
Pedir a Deus sabedoria e força. Para saber ficar ao lado deles contra ventos e marés. Até ao fim.
Dias importantes
Hoje a nossa menina abriu mão de algo muito importante para ela: a chupeta, chamada carinhosamente desde sempre por pé. Já só a usava para adormecer. Resolvi pedir ajuda à educadora e fiquei a saber que no colégio têm um ritual de levar os pequenos à sala dos bebés para deixar lá ficar a chupeta. E foi o que fizemos. Para ela foi uma espécie de marco no crescimento. Entregou a pé à Manuela que também cuidou dela quando ela era bebé, "para dares ao primeiro bebé que chorar". O primeiro luto da minha menina, que nos custou tanto. Eu só queria pegar nela ao colo e abraçá-la muito, mas ela tão firme e sem choro à vista: "não mamã, não vês que eu já sou crescida!". Quando chegou à sala iam fazer uma roda sentados no chão, para a Maria contar a todos os amigos que já tinha deixado a pé. Parece ser que lhe bateram palmas. Tipo alcoólicos anónimos, achei engraçado. Uma forma interessante de eles tão pequeninos exorcizarem as dores e até mesmo de se sentirem valentes e corajosos.
Obrigado meu Deus, por me permitires tanto no meio de dias tão difíceis que atravessa o mundo.
Melhor é impossível
O povo escolheu
O povo está farto e o resultado foi quase um grito de Ipiranga. Numa altura crucial para qualquer país no mundo, Portugal atreve-se. Mas apenas o suficiente para ficar como o tolinho no meio da ponte, e isso traz sempre consequências. Apertem os cintos: não estávamos bem, mas muito provavelmente vamos ficar pior.
Sobre uma Democracia que nos compromete a todos: à memória não se pedem contas, nem se separa o trigo do joio.
Querida Maria
Março
Ser mulher em 2024
Na vida real
As pessoas, grande parte delas, vive de modo tão frenético que mal responde a um bom dia. Mesmo dentro de um hospital há essa falta de empatia grosseira. Esta semana eu disse "bom dia" a um médico apressado que sem olhar para mim me respondeu "obrigado".
Na vida real as pessoas têm medo de tudo, mas vendem a iris sem saber para quê ou a quem.
Na vida real muitos homens criticam a existência de um dia da mulher.
Na vida real casar é na maioria das vezes um contrato. As pessoas casam por causa das vantagens, não por causa do amor.
Na vida real os casais perdem o tesão.
Na vida real o Inverno vem quando quer. E os pássaros aguardam o tempo necessário.
Na vida real uma mãe erra muitas vezes.
Na vida real a maioria dos discursos políticos são só discursos. Na vida real o povo está farto.
Na vida real os casais inventam divórcios e moradas separadas para ir buscar subsídios, e o Estado lesado vira a cara para o lado porque dá muito trabalho por a casa em ordem. Na vida real tanta coisa sem quem para fazer e tanto rendimento mínimo entregue em vão a quem não sabe como matar o tempo. Na vida real os presos têm acesso à cultura porque o teatro vai às prisões e eu que me esfalfo a trabalhar e a descontar, não consigo consumir cultura. Na vida real querem dar subsídios a quem tem animais e eu que tenho uma filha, só porque escolhi trabalhar, já não tenho direito ao abono. Na vida real nem sequer temos um hospital veterinário publico. E assim vamos, ansiosos por um telhado quando nem sequer temos paredes.
Se tudo correu bem, na vida real de cada um, a mulher da nossa vida é a nossa mãe. Porque na vida real nem sequer um filho nos chega a querer tanto como ela.
Na vida real todos estamos, impreterivelmente, a caminho do fim. E todos haveremos de cheirar terrivelmente mal quando o corpo se demitir da vida. Alguns nunca vão entender a dimensão espiritual desta nossa breve passagem.
(...)
E hoje foi o dia
4 anos. Hoje recusaste pela primeira vez um beijo do pai porque tinhas creme na cara. E disseste-me que tinhas que ir maquilhada para o Ballet por indicação da professora, que na verdade só te mostrou um pouco do bailado Coppélia e tu pelos vistos ficaste entusiasmada com a maquilhagem da bailarina.
Não cresças tão rápido filha, deixa-me ganhar algum fôlego nos patamares.
Inverno lá fora
E eu quentinha no sofá a ver um programa sobre Angola, na RTP2. Angola, a minha terra, que eu não conheço.
Lembrei das conversas do meu avô ao ver imagens do Lubango, e das palavras da minha mãe sempre que recorda Angola. Quanta beleza: as vistas desde o Cristo Rei; a Serra da Leba; a Fenda da Lundavala; as acácias rubras!
E foi assim que decidi a minha lua de mel de sonho: dormir no Pululukwa Lodge (pululukwa significa descanso), definido nas palavras do administrador como o local perfeito para alimentar a alma, com respeito pela natureza. Jantarmos um cherne envolvido em folha de bananeira e comermos um doce de jinguba com manga decorado com flores capuchinhas. À noite no meio de pequenos foguinhos acesos, assistirmos ao espetáculo mágico de uma dança africana.
Acabei por chorar a ver o programa. Foi a primeira vez que despertou em mim a necessidade de lá ir um dia destes. Antes de morrer.
Vontade de emigrar?*
Tenho saudades de sentir saudades da minha cidade.
O Porto está numa fase muito dura de transição. A vários níveis. Não tenho duvidas de que caminha para uma grandeza clean de que é digno, mas há tantos danos colaterais que às vezes custa digerir o crescimento da cidade. (...)
Continua a ser uma parte importante da herança que quero deixar à minha filha: ser do Porto, viver no Porto.
*no way
E foi assim que me caiu a ficha
Estava eu na secção do pão do Continente, quando chegam dois miúdos, adolescentes, uns bazolas divertidos porque não paravam de dizer piadas um ao outro, e se dirigem a mim:
- Ó senhora! O que acha de eu levar pão de alho para o pequeno-almoço?
Ora bem, a modos que! Fique ali atordoada uns segundos que para eles foi perfeitamente impercetível. Aquele "Ó senhora!" fez-me cair nos meus 45 anos numa queda livre sem qualquer amortecedor. E claro, tive que responder:
- Eu se tivesse a tua idade, comia. Come para a frente tudo o que te apetecer, que logo logo chegas à minha idade e vais ver que já não te apetece, não te sabe bem e se arriscares ainda te faz mal.
E virei costas e ficaram ali os dois miúdos numa risota pegada. Felizes e contentes, bem longe de acreditar que já ao virar da esquina estão mesmo com 45 broas no pêlo.
Das melhores coisas da vida
Voltar para casa no fim do dia. Mesmo que a casa esteja desarrumada, mesmo que fique numa ruela sem saída, mesmo que seja pequenininha. A nossa casa é o nosso santuário, porque é nela que nos confiamos à pequena morte do sono, é nela que despimos as mil máscaras a que o dia nos obriga. O conforto de chegar a um lugar que cremos ser nosso. E ficar sem precisar de convite.
Casa para mim tem que ter luz, janelas. Lugar para alguns vasos porque eu preciso de viver com plantas. Ser casa clara, sem história. Ficar perto do verde. Casa, no Porto.
O resto a agente constrói e a gente aguenta. Somos nós que fazemos a nossa casa. Por isso é que algumas são lugar de guerra e outras de paz. Por isso é que algumas são grandes e feias e outras pequenas e bonitas.
É só um primeiro capitulo. Avizinham-se tempos novos, de desafio. Eu vou com alegria no corpo e na alma, por sentir que chegou o momento. E porque sei com a certeza absoluta, que Deus me levará para melhor.
O Amor é mesmo assim
Segunda-feira...
e eu sinto que estou na mesma semana tensa há dez dias. Quero sair daqui e não consigo. Pessoas azedas, com cargas de energia negativa tremenda, com uma falta gritante de educação; pessoas que fazem parte do meu dia a dia mas que nem sempre fazem parte da minha vida. Lembro-me que no fim da adolescência tive uma paixão grande por um Senhor, só por causa disso mesmo, porque era um gentleman, um cavalheiro em todos os momentos. Nunca se tem tudo na vida mas quanto mais avanço na idade, cada vez mais percebo a importância dos detalhes nas pessoas. E murcho e fico cheia de sombras se a falta de detalhe for nos meus. Nos de fora apenas cansa, cansa muito; nunca me habituarei a gente assim. A mestria que existe naqueles que em todos os momentos, de forma absolutamente natural, conseguem demonstrar-nos que fazemos a diferença. Essas pessoas às vezes salvam-nos.
Apesar da dureza da semana, ganhei flores. Amores perfeitos. E uma pedra vinda do Brasil. E sorrisos e abraços apertados. Porque felizmente o mundo é bem maior e bem mais, do que o perímetro sufocante onde se atropelam os endeusados azedos contaminantes.
Céus, hoje teria dado a minha vida pelo final do turno! Amanhã fico longe de tudo. Banhos de sal e mel, a ver se recupero bateria.
Sobre dias felizes
Sobre o propósito
Isto de ser pais
Dia dos namorados
Carnaval 2024
Este foi o sapato que eu mais gostei, numa exposição de sapatos de palhaço no colégio que frequenta a minha filha.
Mais do que a vontade de impressionar, tudo é realmente sobre o que cada um tem dentro.
Grande Celia Cruz
Palavras tão certas. Um dos meus hinos. Um dia prometo que vou ser assim tão feliz.
Uma semana violenta
Uma semana que se se supunha ser de férias, de descanso, uma semana que reservei na mente para destralhar a casa, para reorganizar a vida e ir a tempo de dar as boas vindas ao novo ano. Foi antes uma semana de traições, de dar de caras com duras verdades, uma semana para faltar a compromissos, para escrever reclamações, para ficar à espera de ubers que nunca aparecem, para apanhar chuva até aos ossos, para ver o vento partir-me o guarda-chuva como se fosse uma folha de papel, uma semana em que perdi o apetite, em que entristeci seriamente por dentro. Uma semana para perceber que os outros são os outros, e eu sou eu. Nunca vou pertencer ao rebanho, à multidão, e o preço é este: ser para sempre incompreendida. Uma semana em que gostaria de ligar a todas as minhas amigas e dizer-lhes que me fazem falta, muita falta. Uma semana em que fiquei uma manhã inteira na cama, porque já não aguento mais.
Ninguém tem culpa, é certo. Mas céus custa tanto suportar a falta de empatia. E cada pormenor, cada pequeno detalhe ou desatenção, atiram-me com assustadora facilidade ao chão. As pessoas estão todas parvas, o mundo está cheio de umbigos gigantes e colecionadores de dinheiro.
Palavra de ordem: hibernar.
A vida é um big brother
Ou algo do estilo, sempre num mood comédia que alterna com o drama. Viver até aos 45 anos para assistir a um reality show onde um dos concorrentes é alguém com que namoramos um dia. Surreal.
Pressa de amar enquanto viver
Já alguém deu de caras com a Primavera?
Chegou mais cedo. Está por todo o lado. Linda, esplendorosa. Assusta ouvir as pessoas mais velhas dizer que é mau, que o pior está por vir, que isto traz doenças e perdas nas colheitas. Mas prefiro acreditar que o planeta encontra sempre uma forma de se adaptar, e nós também.
Para já guardo o que é bom de guardar: dias luminosos, maiores. Muitas flores, frutos saborosos.
Das melhores coisas da vida
Ter planos para hoje, fazer o outro feliz.
É realmente bom levar a Maria até ao parquinho e comermos depois o primeiro gelado do ano juntas. Vê-la brincar saudável, rir, fazer-me sinais de longe numa cumplicidade que me conforta mais do que a própria pele. É esta a aritmética perfeita daquilo a que chamam vulgarmente de Amor. A minha filha é a minha melhor companhia.
De uma sociedade falhada
Não tenho duvidas nenhumas de que este ano vai ser um ano importante. Um ano de colheitas. Quero focar-me no que Deus me manda, e ter força e fé. Há muito tempo que não sentia dentro de mim o burburinho mágico dos sonhos, começo outra vez a querer coisas dessas pequenas e básicas que nos fazem mover. Não é para este ano, porque há desafios grandes pela frente. Mas é este ano que começa a germinar dentro de mim a semente. Uma coisa pequenina e frágil e por enquanto só minha.
Até lá, vou voltar a ler. A ler muito. Porque foi o que durante anos me deu mundo, me abriu as janelas da vida de par em par, me ensinou outros caminhos alem dos que eu conhecia, me despertou para escolhas e decisões. Mais do que a escola ou os amigos, foram sem duvida os livros que me formaram. Têm sido anos de interregno. Mas nunca é tarde.
A vida tem destas coisas
Nunca tive pai, e hoje perdi também o padrasto que tive.
Na verdade os grandes heróis da minha vida são mulheres. Não tenho que me esforçar por ser diferente, não tenho que me culpar por ser como é.
A vida segue. Serena. Mais leve.
Porto
Uma cidade que cresce sem vergonha. Sem pudor. Doa a quem doer. Mesmo que as costuras rebentem e alguém fique nú.
Sobre Janeiro
Aquele mês que parece longo demais, frio demais, slowdown demais.
No entanto aquele mês, para sempre, em que comemoro o facto de ter tido a sorte de me ter tornado mãe. O mês em que percebemos a enorme esperança dos dias a crescer. O mês em que descubro a Primavera instalada nos meus vasos de plantas. O mês em que aparecem nos céus os primeiros laivos de cor laranja e rosa. Mês em que regressam alguns pássaros. Muitas laranjas e tangerinas, já há morangos doces!
Ainda não arrumei a casa, nem fiz reset a alguma tralha do ano que passou. E em algum momento vou precisar de o fazer para aliviar alguma carga que não me ajuda a avançar. Confesso que ando meio tristonha e pesada cá dentro: o mundo está estranho demais e a vibração assusta. Muito respeito.
Mas apesar de tudo, das guerras, das mortes, das violações, das máscaras e dos vírus, pressinto que vai ser um ano bom para o meu muito restrito núcleo duro. Deve ser porque acredito sempre e muito nos planos de Deus.
Janeiro. Mês perfeito para aprendizagens e crescimento.
4
4 anos de ti. 4 anos de Maria nas nossas vidas. 4 anos cheios de um Amor maior que nunca vos vou conseguir contar.
Levantei-me às 5h da madrugada para um turno longo de trabalho no Hospital. Beijei-a enquanto dormia, e afaguei os pés à imagem da Virgem Maria que tenho no quarto. Só vou poder abraçar a minha menina no final da tarde. Mas ser mãe é isso mesmo, movermos céus e terra pelos filhos, e conseguirmos estar sempre com eles mesmo quando não estamos.
Tudo é mágico e perfeito contigo filha, mesmo as birras e os cocós. Terás para sempre alguém para partilhar o bem e o mal.
E eu pergunto, em consciência: existiu realmente o antes de ti?
(...)
Ultimo dia dos teus três anos