Acreditar. Acreditar. Acreditar.

Flash


Acho incrível que alguém acredite que a seguir fazemos férias, tiramos as máscaras, e fica tudo resolvido. Tomem bem nota, que os nossos filhos agora pequeninos, ainda cá andarão a tentar resolver no futuro as sequelas deixadas por esta pandemia.

M de Março, M de Maria

No dia 26 decidiste dar os teus primeiros passinhos e escolheste - com justiça - os teus avós para serem os primeiros espectadores dessa grande conquista. Trouxeste uma pedrinha para casa, e nem sabes como me alegra suspeitar que tal como eu vais sentir-te atraída por simples pedras da rua. Com naturalidade vais fazendo os teus progressos no processo de socialização, ao mesmo tempo que aprendes a escolher quem queres deixar entrar no teu mundo. Ensinas-me coisas sobre a ansiedade, sobre não precisar de me justificar ou de te defender, sobre ter todo o tempo do mundo para esperar pelas tuas conquistas. És tu a minha grande professora em muitas matérias novas sobre mim, sobre ti, sobre nós, sobre os outros.

Fazes-me feliz todos os dias.

Como uma oração


Têm sido dias de muita - ainda mais - introspeção. Tempo de ficar a sós, tempo de silêncio. Foi sempre assim, desde que me conheço, no tempo de Quaresma. Como um bicho a mudar a pele num processo doloroso, com um sentimento profundo de que toda a gratidão não chega para o imenso acto de Amor que este tempo retrata.
Mesmo assim continuamos egoístas, invejosos, consumistas, indiferentes. Nunca como nos dias de hoje vi tanta mendicidade nas ruas, e ao mesmo tempo uma indiferença cortante. Alguns rostos são ainda os mesmos de há quinze anos atrás quando trabalhei com sem-abrigo. Quinze anos a viver nas ruas!; conseguem imaginar? 
Como será que se sobrevive a tanta solidão e indiferença; dia após dia, Inverno após Inverno, aniversário após aniversário; sem um colo, sem uma casa. 
(...)

Não consigo. Temer mais o vírus do que aquilo que vejo à minha volta. Hoje caminhei meia cidade e fiquei triste, muito triste. Tantas as lojas que fecharam de vez, lojas antigas, de toda uma vida. As pessoas vagueiam mas está tudo sem rumo. Há um silêncio estranho, e as vendas ao postigo matam-nos a alma.

Hoje fui atacada por um bando de gaivotas destemidas. Roubaram-me o lanche e quase me dão uma tareia. Em dois pontos diferentes da cidade, senti que são elas, as gaivotas e as pombas, quem agora domina as ruas. Perderam-nos o medo, tomaram posse. Ou a nossa estranha ausência atormenta-as de fome e torna-as ainda mais valentes.

É estranho, mas só tinha vontade de chegar a casa.

(...)

Again and again


Comove-me profundamente todo o processo criativo. Há pessoas realmente excepcionais, que se distinguem de todas as outras de uma forma quase mágica. É tão bom haver gente assim. Devagarinho, numa cozedura lenta, sem pressa de criar. Criam naturalmente, como quem respira, para desfrute de todos os outros. Sou muito pouco criativa, deve ser por isso que é uma das características que mais me fascinam nos outros. Escuto isto vezes sem conta, e não me canso.

Dia 17

Dia do mês em que faço a minha lista de gratidão.

Esta semana não só nasceu o meu sobrinho Gonçalo como a minha sobrinha Carolina cumpre a idade mais linda de 25 anos. Aos poucos, tenho passado mais tempo no trabalho. A Maria voltou a brincar com outros meninos. Todos os dias têm sido de Sol: há muito tempo mesmo que não tínhamos uma semana inteira assim. Vem aí o dia do Pai, passei uma vida inteira a não dar importância a este dia; finalmente é importante para mim. Ganhei um ramo de camélias e um molhinho de folhas de louro. A Maria já se aguenta de pé sem apoio. Comecei a tirar dos arrumos roupas de Primavera / Verão. Floriu a orquídea selvagem que temos na varanda. 

(...)

É sempre uma lista em aberto. A Vida dá-nos sempre muito mais do que aquilo que conseguimos perceber.

Esta semana no final de um tratamento, ouvi as terapeutas falarem sobre mim e a minha espiritualidade, sem que elas se dessem conta de que as escutava. Teve tanto impacto em mim, como se há muitos anos eu andasse em busca desta resposta. Descobri porque desde sempre, gostei tanto, em particular de um poema. Descobri finalmente de onde me vem tanta tristeza sem explicação:

Retrato de uma princesa desconhecida

Para que ela tivesse um pescoço tão fino
Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule
Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos
Para que a sua espinha fosse tão direita
E ela usasse a cabeça tão erguida
Com uma tão simples claridade sobre a testa
Foram necessárias sucessivas gerações de escravos
De corpo dobrado e grossas mãos pacientes
Servindo sucessivas gerações de príncipes
Ainda um pouco toscos e grosseiros
Ávidos cruéis e fraudulentos

Foi um imenso desperdiçar de gente
Para que ela fosse aquela perfeição
Solitária, exilada, sem destino.

Shopia de Mello Breyner Andresen

Your skin is not only dark, it shines and it tells your story

A pandemia hoje

Estamos cansados e desconfiados. Anda de boca em boca o medo de uma quarta vaga. Aprendemos a olhar para os outros e a perceber que também nos pode acontecer a nós. Nota-se que ganhamos alguma humildade, já não somos os maiores. Ao mesmo tempo estamos tão desgastados que sobre a doença é um quase olha, vai-se vivendo com ela, o importante mesmo é viver. Queremos andar na rua, apanhar sol, abraçar. Queremos a liberdade de podermos ser descuidados mas não nos livramos do peso da culpa. Oxalá este regresso seja ao passado e ao futuro. Sem mais recaídas.

A ter sempre presente: seja qual for a circunstância, o melhor lugar do mundo continua a ser aqui e agora.

A semana do regresso

Tem sido uma semana de adaptações. Enquanto nós estamos felizes com o inicio daquilo que será em breve a nossa vida como ela era antes, a Maria dá sinais de que prefere o confinamento. A ida à creche trouxe lágrimas e naturalmente algumas expressões novas que não conhecia na Maria. Com a gente ao redor, em geral, ela está estranha. Chega a casa já à noitinha e fica feliz e contente como uma lebre a correr no bosque. Dá gritinhos de felicidade, como se ao entrar em casa o dia começasse para ela. É chocante perceber que a minha filha nasceu confinada e foi praticamente assim o crescimento dela até agora. Que vai ser um desafio maior trabalhar a simpatia e a empatia na nossa little mermaid. É tão importante a ida dela à creche. Sem duvida que são os outros pequeninos que lá andam que me vão ajudar a trabalhar isso nela.

(...)

O Gonçalo nasceu

placenta que foi a casinha do Gonçalo durante nove meses
imagem do ano

No dia 15 passou a pertencer a este mundo de aventuras e desafios.

A placenta da minha irmã deu esta imagem tão impressionante, tão magnifica. Consigo ver nela o desenho nítido da árvore da vida. Brutal. As enfermeiras mais experientes disseram que nunca fotografaram ou observaram uma placenta tão direitinha. 

De resto dizer-vos mais uma vez que dar à luz é o maior acto de amor e valentia. Que muitas mães não sabem o que fazer depois com os seus bebés, mas que só o simples instante de parir é algo muito louco, muito do domínio não só da ciência mas sobretudo dos deuses. Que mesmo nos casos extremos, não há nenhuma mãe que a seguir de afaste do seu filho sem profundo dano psicológico. Mesmo numa criminosa, é absurdo pensarmos que isso é possível.

Sem duvida que Março de 2021 já é um mês muito especial. Parabéns Amor da tia, bem vindo ao mundo!

Bom dia Vida

Tenho um sobrinho quase a nascer, por horas ou dois ou três dias. Fico ansiosa e com muita pena de não estar perto da minha irmã. Nem sequer os primos crescem juntos e nem posso vislumbrar quando levarei a Maria à praia junto com os primos pequenos, em manada e algazarra. São estas as coisas mais simples que me preocupa não viver. De resto sinto imensa falta do colo da minha mãe. Contra ventos e marés, além dos nossos conflitos, nunca nenhumas mãos no mundo serão para mim como são as dela. Deve ser por isso que nos últimos dias ando com muitas saudades do mar, porque aquela linha do horizonte me leva para mais perto deles.

Isto das famílias tem muito que se lhe diga. Crescemos nelas, e como alguém disse e muito bem, aprendemos o amor e o ódio em data e importância. Depois com os anos damo-nos conta de que tantas coisas que não gostávamos nos nossos pais, estamos a repetir. Alguns filhos viram mesmo verdadeiros clones dos pais, que susto. Tal a importância do que nos une e do que nos identifica.

O meu processo de maternidade não está a ser fácil, no sentido de que não sou daquelas que afirmam que nasceram para ser mães. Não, tenho tido dias bem de guerra. Em que tento ajustar-me, falho redondamente e penso para comigo se alguma vez vou ser capaz de fazê-lo realmente bem. Do que não há duvidas é de que este é o melhor e o mais bonito desafio da minha vida, e estou muito grata a Deus por ter-me dado a oportunidade de ser mãe.

Haja Saúde!

O que me fez rir esta semana

A imagem da rainha de Inglaterra a usar máscara, com uma legenda em rodapé:

Se até um ser imortal a usa, usa-a tu também!

Fico um bocado à toa com as desilusões, ando dias às voltas a remoer. Talvez seja essa a minha forma de crescer. E fico calada e quieta. Não observo, não argumento, procuro não pensar; nesse estado tento poupar ao máximo as minhas energias.

Sinto-me cá dentro como uma espécie de Forrest Gump, a correr desalmadamente para nenhures, só porque sim. Correr para a frente para deixar para trás.

(...)

Flash

 

C'est le printemps

Têm sido dias de absurda instabilidade interior, de tristeza e desencanto. A água ferve, eu praguejo, picam-me os olhos mas as lágrimas não caem; respiro fundo e avanço porque isto vai passar. 
Em dias assim são as pequenas coisas que me seguram, que me devolvem a Fé que sempre foi a minha maior muralha. Fazer uma papa de aveia para a Maria, descobrir uma musica masterpiece, o sol a entrar pela casa adentro, dormir uma sesta com a minha bebé, um banho mais demorado, descobrir um rebento verde na ponta de um galho seco e ferido.
(...)

Gente assim

Inspiradora. 

A freira e a nossa breve viagem

Esta semana assisti a uma cena simbólica, digna de Almodôvar. Uma freira que transitava pela rua, foi interpelada por uma senhora visivelmente perturbada. A freira manteve-se durante algum tempo parada, em silêncio, a ouvir a mulher que barafustava alto, numa atitude de raiva e revolta. Durante algum tempo tive dificuldade em perceber o que fazia ali a freira parada, a ouvir aqueles desaforos. Foi então que sem proferir palavra, a freira tirou do bolso uma imagem de Cristo e estendeu-a à mulher. Nesse instante, de imediato, a mulher virou costas à freira e à imagem, e seguiu caminho a barafustar de braço no ar, como quem dispara ao vazio.
A freira impávida e serena, voltou a meter a imagem no bolso e seguiu o seu caminho.

A freira deu tudo o que tinha para dar; disso se trata.

Sentir

Dia da Mulher

Conheço algumas grandes Pessoas mulheres, como conheço algumas grandes Pessoas homens. Iguais seres extraordinários, com diferentes percursos evolutivos.

Confesso que só agora que sou mãe, percebo o quão forte realmente nós mulheres podemos chegar a ser. Eu antes achava que sabia, mas só agora é que de verdade sei.

Não sei o que me deu para ler sobre duas experiências reais de maternidade, muito dolorosas. Uma delas fala sobre a inesperada vinda de um filho com deficiências profundas. A outra fala sobre o abuso sexual na infância. Tenho tido algumas noites instáveis e os meus níveis de energia caíram a pique. Estou cheia de cursos a acontecerem quase em simultâneo e nem me apetece sair da cama e despir o pijama. Mais a Maria, que agora come borbotos e fala uma espécie de russo em voz projetada como de fadista. Mais a casa de patas ao ar e a pilha de roupa aos gritos.

Se eu não enlouquecer em Março, há esperança para o que vem de ano.

Quando todos os epidemiologistas do país nos pedem cautela

Nós prevaricamos.

Nos princípios escrevi sobre isto. Sobre os galardões verbais atribuídos por alguns políticos. Sobre os portugueses não merecerem prémio nenhum por serem exímios a cumprir o confinamento, porque não são! Sobre a sorte maior de um Inverno rigoroso que nos ajudou a salvar a questão comportamental. Sobre o inevitável sairmos da toca como os bichos aos primeiros raios de sol. Sobre não sermos melhores nem piores do que ninguém. É que nas noticias falam dos não sei quantos milhares de portugueses que no ultimo fim de semana saíram à rua, como se isso fosse algo inesperado ou incompreensível. A sério? Esteve só um solzinho bom e estamos fartinhos de estar em casa. Estamos fartos da doença e estamos fartos do Inverno.

Se vamos estragar tudo com o comportamento? Não criamos uma rede de contactos nas redes sociais e combinamos sair todos no mesmo dia. Foi só o Sol e a necessidade, foi uma prioridade interior mais forte. Alimentar um bocadinho a nossa força anímica para aguentar tudo o que ainda está por vir. 

Note-se que aqui por casa saímos só por questões autorizadas pela lei. Usamo-las foi como a melhor desculpa, porque tal como os demais portugueses, só nos apetecia andar lá fora.

(...)

Sobre o futuro, sobre a tua Educação




O jardim mais antigo da cidade. Uma homenagem à Mulher, na intenção de D. Pedro IV. Lugar romântico, onde habitam algumas das árvores mais antigas da Invicta. Um coreto. Uma fachada barroca, onde as janelas com vista ao jardim contam muitas histórias. A Biblioteca Municipal. A Faculdade de Belas Artes. Zona onde viveu Camilo Castelo Branco, jardim onde foi condecorado. Área tão familiar numa fatia importante da minha adolescência. O meu regresso às origens, através de ti; com a sorte grande de te acontecer num tempo onde tudo está muito mais bonito, mais cuidado, mais reconhecido.
Um sentimento muito forte de que este é o lugar certo.

Tudo muda quando somos pais. A única certeza é de que tentaremos sempre fazer o que de melhor estiver ao nosso alcance.