Trilhos do caminho

Quando nos morre o cão, quando mudamos de país, quando nos despedimos para sempre de quem amamos, quando perdemos um emprego, quando precisamos de começar de novo, quando adoecemos com gravidade. Há ali um instante que pode ser pequenino mas que parece interminável, em que sabemos e sentimos a cruel verdade: nascemos sozinhos e vamos morrer sozinhos; e é precisamente nas dificuldades que costumamos perceber que é sozinhos que temos que enfrentar. Enfrentar o caminho, as decisões, a cabeça a andar à roda.
(...)

Bom dia Vida

Hoje acordei com uma fome dos diabos. Apetecia-me sair logo de manhã para aproveitar estes maravilhosos quatorze graus com vento e chuva à boleia. Alapar-me numa confeitaria e tomar um breakfast de rainha, cheio de exageros e bolos com muito creme. Confesso que ainda pus a hipótese.
Entretanto cá em casa alguém teve o bom senso de me perguntar se não tenho vergonha de com estes pensamentos estar apenas a alimentar o lobo mau em mim. Temos portanto mais um dia de quarentena para continuar aquelas tarefas que deixei a meio por falta de vontade.
Hoje era um bom dia para me amordaçarem e amarrarem às cadeiras cá de casa.
(...)

Primeiros dias de Primavera

Nas traseiras de minha casa existe um campo de cultivo. Tem pássaros, galinhas, limoeiro, laranjeira, cercas, espantalhos, algum gato vadio; e um senhor de oitenta anos, indiferente aos medos, a cultivar a terra. Todo aquele cenário dá-me imensa esperança.
À janela ouvem-se no meio do silêncio grande, só os bichos. Sabe tão bem, fica-se tão cá dentro. O ruído da nossa existência parece quase não fazer falta. Ao mesmo tempo que o gato dá dois pinotes no telhado de zinco, a vida prossegue serena e imparável, alheia se tememos, se inventamos, se crescemos ou apalermamos.
Na varanda mais alta do prédio vizinho, um casal jovem semi nu apanha sol; é preciso continuar a saborear as coisas boas da vida, porque ela merece.
(...)
Não passa nenhum avião ao longe. Os plátanos da rua estão cheios de folhagem, há sombra nova e ninguém para aproveitar.

Europa solidária

Em meio dos dias que estamos a viver, existem lideres capazes de pensar que temos que sair rápido disto, porque outros vão precisar desesperadamente da nossa ajuda. Isso é de grandes, isso é de gente que merece a sorte de vencer.
Espera-se o pior de todos os cenários em África. O dilema não passa por encontrar desinfectante para comprar, passa mesmo por não haver sequer água canalizada para lavar as mãos.
(...)

O senhor António Costa

Não só chega bem para enfrentar a oposição em Portugal, como ainda defende com valentia o país vizinho. Muita classe.

Um dia da caça

Outro do caçador.
Não apetece tirar o pijama, tomar banho, fazer a cama, preparar o jantar. É preciso uma boa dose de disciplina e de muita força interior, que eu nem sempre tenho e nem sempre quero ter. Demasiadas mortes, famílias inteiras a desaparecerem, números assustadores sempre a somar.
Penso na minha família lá longe, nas nossas crianças, no emprego que tantos de nós vamos inevitavelmente perder. À noite deito-me muito cansada sem ter feito grande coisa, e tenho pesadelos.
(...)
Não vamos todos ficar bem. Não vamos.
De resto, a enorme consolação de que tudo passa. Somos ainda o ser vivo com maior capacidade de adaptação.

Bom demais

Oração para todos os dias

Dondequiera que estés,
sea cual sea tu condición,
trata de ser un amante.
Rumi

Lugares


Nunca tive possibilidades de viajar por esse mundo fora, confesso que também nunca fui uma grande apaixonada por viagens. Sou apaixonada por histórias de vida, por lugares; por isso sempre me contentei e fui feliz com os nossos passeios cá dentro.
Os aeroportos sempre foram lugares pesados para mim, a clausura dos aviões sempre foi claustrofóbica. Ao mesmo tempo admiro quem tem asas na alma, e vai e voa sempre que surge a oportunidade. As fronteiras que espero que um dia reabram, têm sido as grandes pontes entre os Homens. E eu rezo, porque como tanta gente, preciso delas para voltar a abraçar quem tanto amo.
(...)

Supermercados

O palácio dos pobres, como lhes chamou um dia a querida Agustina Bessa-Luís.
Não voltamos a frequentar, desde que começamos a quarentena. Com muita dificuldade, mas temos conseguido fazer as nossas compras online. Pontualmente usamos mercearias, locais muito menos frequentados e portanto mais seguros. Evitamos filas em troca de pagarmos mais caro tudo o que nos chega à mesa. Começamos aos poucos a ganhar consciência sobre o imenso tempo desperdiçado em caixas de supermercado, sobre o assédio constante em todas as prateleiras de todos os supermercados, sobre as desnecessárias idas se não diárias, semanais. Este mês, como a grande maioria dos portugueses, excedemos-nos nas compras. Às vezes pergunto-me porque tardamos tanto a perceber a realidade.. De Espanha ouvi uma frase que me chocou: Em breve as pessoas vão perceber que afinal não falta nada nos supermercados, faltarão sim caixões para tanta gente.
Um dos objectivos para Abril, vai ser a contenção. Não porque nos pode um dia faltar, mas porque definitivamente é hora de sermos pessoas menos aceleradas, mais contidas, menos precisadas.
Está na hora de começarmos a crescer.
(...)

A melhor terapia






Que sorte têm todos aqueles que no meio destes dias atribulados e de incerteza, estão a trabalhar.

Sete da manhã, a hora perfeita

Sempre adorei o silêncio bom das manhãs, de acordar bem cedo. De ficar sozinha, a ouvir os pássaros lá fora enquanto tomo a minha generosa taça de café com leite. Aproveito o silencio da casa para arrumar pensamentos, emoções. Numa das manhãs enquanto passava a ferro rezei o terço, depois limpei o forno. Outro dia tirei dos arrumos as roupas de Verão, limpei janelas e lavei uma varanda, arrumei a caixa de costura. Entretanto acontecem dois dias pelo meio em que não faço rigorosamente nada.
Já temos a bicicleta adaptada ao meu mini tamanho mas confesso que esse é o meu ultimo objectivo nas tarefas para estes dias.
Não estou uma maníaca das limpezas mas sinto que podemos tornar estes dias de reclusão em dias úteis, logo logo vamos encontrar a Primavera lá fora e o ar menos poluído, que bom será sentirmos que cá dentro acompanhamos com tudo mais arejado também. Além disso, cada vez que ordeno ou limpo algo, fico cheia de esperança. Fico com a sensação boa da preparação. Para algo, seja o que for.
(...)
*
*de Maria.
De Mãe, de Mar, de Muita fé.
Aqui das janelas de casa, frente e traseiras, observo donos esmerados a passearem os seus cães. Nunca tinha visto tanto cão na rua, sendo que a maioria dos bichanos nem sequer são familiares aqui nas redondezas. Das duas uma: ou andam a passear os bichos longe de casa, ou bichos que quase não vinham à rua, ganharam respeito com o vírus. Ou antivírus?

A Maria

Faz-nos rir, sorrir, babar de amor, ter rotinas, ficar espertos. É tão bom tê-la nas nossas vidas que nos esquecemos que estamos fechados em casa.

Quando a vida conta histórias para reflectir

No Brasil, nas favelas, os traficantes impuseram à população o recolher obrigatório.
(...)

Furo na quarentena

Saímos com a Maria, porque impreterivelmente não pode perder as vacinas do Plano Nacional de Saúde. No Centro de Saúde fiquei perplexa com a arrogância da administrativa que nos tratou desde o primeiro segundo como se de contaminados se tratasse, como se tivéssemos a lepra ou a peste negra ou o coronavírus! E se tivermos? As pessoas podem sorrir na mesma, podem ser delicadas na voz e simpáticas no trato, até ao telefone isso se nota e cai bem. Não é com falta de educação que se vai vencer o vírus, de todo. De resto espero sinceramente que tenha sido caso único e não seja assim que estejam a tratar os nossos doentes por essas Instituições Publicas de Saúde afora.
No regresso a casa paramos numa mercearia na zona das galerias de arte. Pagamos vinte e seis euros por verduras e fruta, e não, não açambarcamos! Acho bárbaro que com tudo o que está a acontecer, comerciantes se aproveitem do cenário e carreguem nos preços, acho incrível não haver nenhum controle sobre isso. De carro pelo centro da cidade, vi - na minha opinião - demasiada gente na rua e sem protecção. Demasiados idosos, descontraídos e indiferentes.
Conseguimos comprar pão fresco, tão bom! E vi o mar!
Senti um aperto muito grande no peito por ver tanta casa fechada, a baixa da cidade deserta e um certo cinzento silencioso em todas as ruas.
Deu para perceber que a Liberdade vai nascer de novo, no dia em que nos disserem que podemos retomar a nossa vida. Vamos deixar de ser aqueles que tinham tudo e nem sabiam.

Razões para ver

"Tivemos que interromper as gravações minha gente. Porque essa história, ela não dá para ser contada agora, ela tem muito beijo, muito abraço..."
Regina Casé, sobre a novela Amor de mãe

Almost Spring

Da sociedade

Ou do que eu falava num dos posts anteriores:

"(...)uma nova variedade de buscadores da felicidade, de felicicondriacos ansiosamente concentrados no seu eu interior, sempre preocupados em corrigir as suas falhas psicológicas e permanentemente apreensivos com a sua transformação e aperfeiçoamento pessoais.(...) Um mercado que vive de normalizar a nossa obsessão pela saúde mental e física (...) que insiste em que o sofrimento e a felicidade são uma escolha pessoal. Quem não instrumentaliza a adversidade como uma forma de crescimento pessoal é suspeito de querer e merecer o seu próprio infortúnio, sejam quais forem as suas circunstâncias particulares. (...) No capitalismo do século XXI, a felicidade tornou-se o bem transacionável fetiche de uma industria global e multibilionária. (...)."
Edgar Cabanas y Eva Illouz, in A ditadura da felicidade

E porque hoje é dia do Pai

Eu estou profundamente grata à minha Mãe.

Das coisas que eu gosto no Pai da Maria

É delicado a pegar nela. Dá-lhe sempre banho. Quando lhe dá o biberão os olhares entre os dois fundem-se na coisa mais bonita que vi na vida. Muda-lhe a fralda quase por requerimento, mas quando o faz, faz-me sempre observações sobre a calça que já está pequena, o fato que não devia apertar atrás e sim à frente, o tecido que não é confortável, o dia que está frio e a roupa devia ser mais de agasalho (tal e qual uma Mãe). Passa as tardes com ela no sofá, ela deitada sobre ele, momento mais sossegado dos nossos dias. Em plena quarentena sai (de máscara e luvas pois claro) a vasculhar a cidade em busca da água especifica que ela bebe porque enquanto ele viver há guerra declarada às cólicas nesta casa. Tem uma infinita paciência para pseudo-brincar com ela e colocá-la de barriga para baixo de vez em quando. Ralha comigo e fica aborrecido quando me acaba a pilha, pega nela como quem me declara guerra e anuncia Hei-de salvar-te sempre filha, de tudo e de todos.
Coisa mais linda, história de Amor mais grande.

Sobre a ditadura da felicidade

Nos últimos anos tornou-se quase imperativo ser-se feliz, como se não fossemos na realidade fadados também para tragédias e lágrimas. Nascemos a chorar, de um grande grito para podermos respirar melhor. Alimentamos hoje a ideia de que aconteça o que acontecer devemos permanecer intocáveis e só assim demonstramos sabedoria. Há quem venda esse tal cultivo de um espírito iluminado, essa tal ideia de uma paz interior que não permite salpicos. De tal maneira que o nosso mundo pode estar a ruir mas tanta gente só consegue admitir focar-se na promoção de energias positivas, como se estivesse tudo bem e fossemos quase imunes ao que está a acontecer. Eu tento fazer esse exercício todos os dias, principalmente porque sou mãe mas também porque acredito que é, apesar de tudo, a melhor forma de estarmos na vida. Mas alguns dias, algumas horas, uma ou outra madrugada, não consigo de todo fazê-lo. Sinto tristeza - muita - e medo.
Receio a falta de positivismo nas pessoas, mas receio bem mais a falta de capacidade de olharem de frente a realidade e enfrentá-la nua e crua como ela se apresenta.
As lições vêm depois, vamos todos ter muito tempo para assimilar devagarinho as mudanças profundas que estes dias nos vão trazer.
(...)


Meu aluno de 8 anos, autista, compartilhando um fone de ouvido comigo, ficou em silêncio a canção inteira, meditando, com o olhar absorto que lhe é peculiar. Quando acabou ele quebrou o silêncio e disse: "fessora" volta a música!
Nita Gomes

2 meses de ti

Meu Amor maior.
Hoje bebeste água pela primeira vez. E dobraste o riso enquanto dormias, foi mágico ouvir a tua primeira gargalhada.
Um presente? Um dia cheio de Sol, de mar, de ilha; eu e o teu pai entrarmos no mar contigo.
Prece profunda: que esse dia aconteça.

Natureza sábia

A minha mãe esta manhã:
A natureza é sábia. Não sabíamos como fazer para salvar o planeta, estávamos em contagem decrescente desesperados com o cambio climático, e de repente chega um vírus coisa invisível, põe-nos a todos em nossas casas e faz pelo planeta aquilo que nós não estávamos a saber muito bem como fazer.
Das características que mais aprecio na raça humana, é sem duvida a nossa capacidade de nos rirmos das tragédias. O sentido de humor do nosso povo em volta do Coronavirus, chega-me através das redes sociais e dou comigo, algumas vezes, inevitavelmente a não conseguir conter o riso sozinha.
Não, não é ridículo. É talvez até mesmo saudável. É só a nossa capacidade de sobrevivência a despertar as nossas defesas.
Talvez por isso seja certo que vamos ultrapassar tudo isto.

Queridos pais

Uma das coisas que gradualmente nos tem escapado das mãos, é o tempo de qualidade que realmente dedicamos aos nossos filhos. Acho que esta situação mirabolante que estamos a viver, apesar de tudo, traz-nos algumas grandes oportunidades. Uma delas é a possibilidade de reiventar o nosso tempo com os miúdos. Espreito os vossos blogs, falo com amigas e familiares mães, e todas me falam sobre alguma dificuldade em manter os miúdos fechados em casa; mesmo as que têm um jardim interior maior do que tantas casas. A Maria para já não me levanta essas dificuldades; procuramos maquilhar estes dias com a vivência do nosso período legal de maternidade / paternidade, de forma a ficar tudo um bocadinho mais leve e tentarmos estar só a desfrutar da nossa baby.
Do ponto de vista da Psicologia, acho interessante o processo educativo profundo que mais do que as crianças, os pais vão sofrer com a actual situação. Cozinhem para os vossos filhos, inventem receitas novas com a ajuda deles, revisitem álbuns de fotografia familiares, contem-lhes histórias sobre a vossa infância e sobre os avós, façam yoga ou pilates com os miúdos, vão ás varandas ver quem consegue gritar mais alto, façam um festival da canção familiar, ensinem-nos a dobrar meias, implementem uma alimentação saudável que muitas vezes o corre corre dos dias não nos permite, façam uma wishlist para quando a confusão passar, vejam desenhos animados com eles, dediquem-lhes o vosso tempo sem a pressão de ser um tempo contado. Procurem manter horários e regras e se estão a cumprir a quarentena direitinho, abracem-nos e beijem-nos muito. Com os adolescentes procurem conversar e furar essas duras barreiras que sem darmos por ela se constroem entre nós e os nossos filhos. Se não der para conversar, assistam a um filme juntos, aproveitem juntos a vitamina do Sol e partilhem as varandas , ao mesmo tempo façam a fotossíntese da alma e mostrem aos miúdos que também podemos ser felizes em slow days forçados. Explorem a vertente positiva que esta crise, também ela psicossocial, terá com certeza.

https://www.jn.pt/nacional/vou-ficar-com-os-filhos-em-casa-o-que-devo-fazer-11915170.html

Talento

Sobre a quarentena

Oh Deus. Poderia encontrar-me dentro de uma noz e considerar-me o rei do espaço infinito, se não fossem os meus pesadelos.
William Shakespeare, Hamlet II-2

Profetas do mau agoiro

Têm surgido alguns iluminados a profetizar uma revolução profunda nos empregos, depois da necessidade imediata do momento em promover o teletrabalho ou o trabalho desde casa. Agora sim, mas para adoptar? Promoção irresponsável de uma forma autista de estarmos em sociedade.
Já agora aproveito para dizer que não consigo cumprimentar ninguém com os cotovelos, sou um bocado tacanha e sinto-me parva. Fico-me por um Olá.
Espero que algum dia possamos de novo dar beijos e abraços apertados a quem mais gostamos, sem medo de estarmos a matar com amor.
Janeiro 2011

Tantas saudades da minha gente, e da ilha inteira.

Fome de sabedoria

Sinto uma pena imensa por não podermos adivinhar o que diriam sobre estes dias de caos, os nossos queridos José Saramago, Eduardo Galeano, Gabriel Garcia Marquez, Darwin.
(...)

Tempo de quaresma

O discurso do Papa Francisco foi como uma oração de gratidão.
Não só pelos profissionais de Saúde, mas por todos aqueles que se esforçam por manter a nossa sociedade organizada (sim, os nossos políticos) e por todos aqueles que nos garantem serviços funcionais, como supermercados e farmácias.
Este é um tempo importante para reflectirmos.

De um parto traumático

Do que não me lembro:
Quando e quem decidiu o internamento. O despir a roupa e vestir a bata (de que cor era?). A passagem da cesariana para o puerpério. O retirar da algália.
Do que não me esqueço, nunca mais:
Das duas anestesiologistas, a da epidural e a da cesariana. Da fita lilás no meu pulso. Do pai da Maria, sempre sempre ao meu lado. Do instante em que me comunicaram que ia ser submetida a uma cesariana. Da entrada no bloco. Do primeiro choro dela. Da febre, da infecção, das dores. De no parto retirarem a Maria e colocarem entre mim e o pai, e ela abrir os olhos naquele instante; e descobrirmos juntos aquilo que pareciam ser dois planetas gigantes onde iríamos passar a morar para sempre.

O mundo

Gosto daquelas varandas em Itália, cheias de mensagens de esperança em desenhos pintados por crianças fechadas em casa. Gosto das famílias em Espanha a jogarem ao bingo de umas janelas para outras; de repente num bairro ouve-se alguém gritar 93 e num prédio vizinho alguém grita um feedback a plenos pulmões. Não acham incrível? Gostei das nossas palmas em sintonia para os nossos profissionais de saúde, mas mais do que isso o que eles realmente precisam é que fiquemos em casa. Não vou falar sobre a pasta da Saúde porque acho que está muito mal entregue. Gosto que o senhor António Costa mantenha o sorriso que tanto o caracteriza - mesmo ao ser portador de tão más noticias - e que o senhor Centeno tenha sabido ser apaziguador em tempo de tanta incerteza. Sobre o vírus e as medidas preventivas, em algumas coisas sinto que nos tentam enganar, nos tentam conduzir, o que dado o cenário se pode compreender, são os chamados danos colaterais. De resto tenho a certeza de que depois de tudo isto passar, vamos conseguir ler as mensagens e lições entre linhas. Vamos despertar para comportamentos mais conscientes, que na verdade já deveríamos ter adoptado faz tempo. Vamos perceber que o jejum destes dias tem uma face estranhamente positiva; é como se as ruas desertas dessem algum descanso de nós ao planeta. Talvez devêssemos mesmo ponderar que uma vez por ano todos nos poderíamos recolher nas nossas casas durante quinze dias, numa espécie de detox do planeta. E porque não? Bem pensado e bem organizado, para não asfixiar a economia.
E pensar que aquela gente da Síria, daria tudo, para mesmo assim, estar na Europa.
(...)

Nós

Cá em casa, com um bebé acabado de nascer, estamos emocionalmente apreensivos. 
Fizemos o que mais ou menos imagino que estarão a fazer todas as famílias: algum stock de bens essenciais, como água, o leite da Maria, fraldas, conservas. Cuidamos para que não falte nada na nossa mini farmácia de casa e o resto são orações e alguma tranquilidade, apesar de tudo.
Não açambarcamos mas não criticamos quem o decidiu fazer. Comportamento gera comportamento e o futuro está tão incerto, quem pode prever com garantias como vai terminar tudo isto? Qualquer sociólogo sabe o que aconteceu em outras sociedades num contexto de véspera de guerra. Não se raciona, não se pára muito para pensar no outro, "não se limpam armas", rapidamente transforma-se tudo num salve-se quem puder. Acredito que os lideres políticos tudo farão para impedir o deadline económico, pelo que albergo esperança de que dentro de algumas semanas começaremos a ter força neste braço de ferro.
Sinto uma dor imensa pela minha filha, pelos meus sobrinhos, por todas as nossas crianças e pelo mundo que lhes estamos a deixar. A Maria - nunca mais me hei-de esquecer - viu-me chorar e ficou com um ar triste a olhar para mim, parou de sugar o leite e ficamos só as duas, com as minhas lágrimas e o olhar redentor dela.
Penso muito nos meus pais e nos meus sogros, e em todos os nossos idosos. A minha mãe viveu a guerra em Angola; os sensores internos dela exponenciam ainda mais o medo do desfecho desta situação. Ás vezes rio-me com ela, ás vezes fico com o coração muito apertado.
Acho que percebemos todos que tudo isto que é o nosso mundo e a nossa vida diária que nos fazem correr tanto todos os dias, é afinal quase tão frágil como um castelo de cartas.
(...)

COVID-19

Ficará para sempre nos livros de História este grande paradoxo da raça humana, em que a melhor forma de estarmos próximos foi um dia mantermos-nos afastados.
Praias cheias e resmas de papel higiénico à parte - ou sobre a imbecilidade máxima do ser humano - consigo compreender a incredulidade de uns e o pânico de outros. O assunto é forte demais para conseguirmos todos lidar com a questão com um tipo de bom senso que de todo não está à venda nos supermercados.
(...)


Inutilidades

Do sofrimento:
Ás vezes, do nada, acorda a fera ferida em mim. É difícil explicar e gerir algumas dores dessas que quando vira o tempo moem fininho cá dentro.
(...)
Da territorialidade:
Nos últimos dias, por causa desta novidade de ser mãe, têm acordado também bichos diferentes em mim, desses com garras e dentes afiados.

Comove-me profundamente

Ver como do alto do teu pouco mais de um mês de vida, cresces nesse Amor maior tão bonito que constróis na relação com o teu pai.
Sempre soube que ia ser assim.

RTP2



Muito obrigado por transmitir programas de qualidade superior.

Se um dia eu escrevesse um livro

Tu meu Amor, que és quem me conhece do avesso, deste-lhe um nome:
"Romance entre a Alice no país das maravilhas e o Principezinho."
(...)

Sobre o vírus

Palavras soltas:
A nossa fragilidade. A nossa prepotência. As nossas mentiras, as nossas verdades. A nossa surpresa. As nossas fronteiras. A nossa ignorância. A nossa incerteza. O nosso pavor. O nosso cuidado, o nosso descuido. A nossa sorte, o nosso azar.
(...)
Como em tudo na vida, a linha do meio é a do equilíbrio.