Flash


- ruelas fantasma -

- o coração adiado da sua órbita viva - 
José Tolentino de Mendonça

- se o Inverno chegou, a Primavera não pode estar distante -
Percy Bysshe Shelley

- a falta de nós à nossa volta -

O que dizer da cidade assim. Defendê-la, sempre. E encontrar-lhe beleza, a mesma beleza de todas as manhãs cedo de tantos domingos de idos Invernos rigorosos.

(...)

Sair da roda do hamster

Quando o Universo conspira a nosso favor, ele vai buscar a pessoa mais exigente e brilhante de todas, para nos lembrar que vale a pena o caminho.

(...)

A ladainha

O tempo perguntou ao tempo quanto tempo o tempo tem. O tempo respondeu ao tempo que tem tanto tempo quanto tempo o tempo tem.

É melhor ser alegre


que ser triste, diz a canção.
Adoro a Natalia, desde os meus tempos na ilha.
(...)

Flash


naked trees

bloom in the city

Ontem saí para uma consulta médica. Fiz questão de aproveitar uma parte do percurso a pé. De pecados, só uma escapadinha à igreja irresistivelmente aberta, para choramingar aos pés da Mãe. Que consolo e que paz. E ainda na deambulação do caminho, vi camélias no esplendor total, alheias ao nosso recolhimento. Digo-vos: quanta beleza no Inverno lá fora.

Oiço as noticias e fico confusa. Hospitais fechados há dois anos, profissionais de saúde com contratos precários, o senhor Rui Rio a chamar de complexos de inferioridade às questões de muitos sobre as prioridades na toma da vacina, a classe politica em força a usar as FFP2, a discussão que num país avançado nem sequer deveria existir sobre se vamos praticar o ensino à distância ou não. Parece-me tudo tão fora de lugar, que fico a pensar neste enorme sacrifício de um país inteiro; se algum dia vai ser superior a todas estas insensatezes, se algum dia em breve vai ser afinal suficiente.

(...)

Ainda há gente tão interessante neste país 

Deixem-me dizer-vos que fui orientada no inicio da minha vida profissional, por um destes sete irmãos. Outro igual, outro brilhante.

Bons tempos

Esses, em que podia sentar-me numa pastelaria a ler o jornal de fio a pavio. A sós comigo mesma. Naqueles que eram - agora sei - pequenos almoços terapêuticos.


No meio de uma casa completamente de patas para o ar - Maria ao poder - tenho aprendido a deixar correr. Já percebi que nisto de ser mãe a tempo inteiro, a prioridade impõe-se naturalmente. Um dia arrumo a casa, com a certeza de que vai durar pouco tempo. É uma luta interior forte para mim, confesso. De resto reservo-me ao direito e ao prazer de ficar de pijama o dia todo, contra todas as indicações. Tenho dormido sestas, total novidade aos meus quarenta e dois anos de vida. E com as sestas, outros prazeres maiores, como ouvir poesia ou ler, simplesmente. Tenho sentido o lado doce da tristeza, e tenho-me permitido ir ao fundo da tristeza. Como ontem, ao ver um documentário sobre o dia a dia de um médico intensivista, em que me caíram as lágrimas e fui deitar-me assim, moída pela dor inteira de conseguirmos ser tão indiferentes a tanto sofrimento alheio e a tanto empenho por parte de seres humanos cheios de uma nobreza maior.
As formações que tenho andado a fazer têm sido difíceis de gerir com os timings da Maria, ao mesmo tempo têm ajudado a que o tempo não chegue, pelo que presumo que neste momento sejam mais do que importantes para manter alguma sanidade mental. Têm sido de tal modo educativas que tenho andado a pensar mais seriamente nestas coisas de termos mesmo que agir de forma consciente para salvar o Planeta. Há umas quatro coisas, para já, que quero tentar mudar no nosso dia a dia, tentar trazer para a nossa vida em 2021. É bom termos objetivos, fazermos planos. Saber quem somos, porquê que estamos aqui, para onde queremos ir.
De sobra dizer-vos que nem sei o que seria de mim, se tivesse que viver esta fase do mundo sem a alegria genuína e o conforto no coração, que me dão todos os dias a presença da minha filha e do pai dela. É verdade que estar em casa sem trabalhar, em alguns momentos me desorienta e muito. Mas os dois dão-me tanta força e inspiração, e é grande este sentimento de pertença familiar, é uma coisa que nos salva de praticamente tudo. Procuro tentar perceber o que a vida me permite agora, neste exacto momento. E são essas chances únicas que aos poucos - aos poucos - começo a aproveitar.
(...)

No domingo saí bem cedo de casa e fui votar. Nem filas nem falta de organização, pouco depois das 8h já tinha a coisa resolvida. Àquela hora foi interessante cruzar com duas ou três pessoas de uns noventa anos, a entrarem com afinco na escola, como se fossem salvar o país. É algo que confesso, me comove.

Àquela hora também, havia raios de sol e portanto foi bem agradável o pequeno trajecto a pé. Observei que as ruas estão anormalmente cheias de dejectos de cão pelo que, queria aproveitar para pedir às pessoas deste país que sejam mais civilizadas e cumpram a lei: a cidade está vazia mas a cidade ainda é de todos.

O sentimento já não é bem o mesmo do primeiro confinamento. Começo a pensar que afinal isto pode acontecer mais vezes, ou que se pode prolongar no tempo para lá do aceitável; e que inevitavelmente o autismo colectivo se tornará mais severo. De tal forma que estamos mesmo a descobrir que desde as nossas casas fazemos quase tudo. E as cidades já nem é da falta de turistas que vão morrendo, é da falta de gente como nós que elas padecem e definham. Eu nunca me vou habituar, recuso-me a encontrar normalidade alguma nestes dias. Continuo a achar que por mais demolidores que estejamos a ser há muito com o planeta, o planeta jamais nos faria isto.

De resto dizer-vos que estou a descobrir novos sonhos, sonhos grandes, como ter uma casa com jardim. Percebo agora - só agora - que a casa onde vivo há mais de quinze anos, um t3 cheio de janelas e com boas varandas frente e trás, é afinal claustrofóbico. Começo a deixar de gostar desta casa em muitos aspectos, tudo culpa desta pandemia.

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Finalmente fecharam as escolas

Enquanto não estiverem todos os equipamentos e pessoas, absolutamente TODOS os recursos disponíveis, ao serviço da luta contra a COVID19, continuamos a fingir que lutamos. Em tempos de guerra não se limpam armas.

Os portugueses

Não eram tão bons como apregoávamos nos dias em que demos nas vistas pelas melhores estatísticas, nem são tão maus agora que a falência eminente do SNS evidencia alguma rebeldia inaceitável por parte do povo. Há um descontentamento geral, uma inércia coletiva, uma falta de líder com discurso credível e concordante com as próprias ações. O povo não é burro nem acéfalo, não se enganem. Mas a verdade é que parece que estamos todos a fingir que isto não está a acontecer, o que pode muito bem chamar-se de bloqueio mental. A esta altura sabe-se lá os dramas que já cada um está a viver dentro de portas. Animicamente todos se tentam salvar como podem. E é por isso que há gente que precisa mesmo de ir lá fora todos os dias, sob o medo de perder a ponta do fio do novelo. 

Não é fácil para o governo, e não é fácil para nós.

No entanto o momento é de compreensão e de solidariedade; é mesmo preciso cumprirmos a lei. Agora que está decidido, o melhor é colaborarmos para ver se a coisa resulta. É verdade que o nunca visto está mesmo a acontecer nos nossos hospitais, há gente a morrer e os que lá trabalham não podem mais. No mínimo, mantemos o dever de ajudar o próximo, o que implica não piorar a situação. Ficar em casa, portanto. O diluvio providencial das ultimas horas, se se estender por uns dias, vai ajudar muito. Se há coisa que os portugueses gostam, é de hibernar em dias de inverno rigoroso. Caso para dizer que só mesmo Deus para nos ajudar numa hora destas.

Li que se estão a esgotar as reservas de sangue. Eu não posso doar devido a patologia no sangue. Se algum de vocês estiver disponível, parece que vai fazer falta já a seguir.

Mantenham-se a salvo. E com esperança. Vamos superar estes dias tão terríveis, com toda a certeza.

Tão bom

Estar em formação desde cedo, e perceber que de repente estou conectada com alguém dos Açores, alguém do Brasil e lá são seis horas da manhã!, diretores de algumas das Pousadas mais bonitas do nosso país, alguém que vive no campo mais remoto e está num sitio estranho porque só ali é que a internet funciona, e todos com formação tão diversa e tão interessante, todos com tanta vontade de aprender e partilhar. Estas formações têm sido acima de tudo uma alavanca importante no meu desenvolvimento pessoal.

Janeiro vai ser provavelmente o meu mês mais intenso a nível de formação.

Sobre ir votar

Isto da pandemia levantou tantas questões. Os debates políticos então, nem me merecem qualquer comentário. Confesso que me sinto ás vezes desiludida, às vezes chocada. Como consequência deste desânimo, cheguei a pensar em exercer o meu direito de não votar, cheguei aliás a estar decidida a ignorar totalmente toda esta parafernália que têm sido as campanhas politicas dos candidatos. E às vezes, eu que sempre votei, cheguei a sentir vontade de ir à janela gritar eu tenho o direito a não votar. Sabiam?

Mas se viver até ao dia, lá estarei para votar. Não vejo grande opção, apesar de continuar igualmente desmotivada para sair de minha casa para ir votar em tempos de pandemia. Causa-me uma certa coceira intelectual, enquanto cidadã, pensar que certo candidato possa sequer alcançar uma certa expressão politica, à custa de tantos que como eu, ao calar consentem.

Vou votar sim. Conivência não.

17

Dia tão grande nas nossas vidas.

Obrigado a todas as pessoas que nos demonstraram o seu amor imenso, obrigado por fazerem parte da vida da Maria.

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Hoje acordei com enormes saudades da ilha. Do vento, do silêncio, das montanhas. Dos dias tão simples.
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imagem da web

"ter coragem não é igual a não ter medo. e ser feliz não é igual a não ter dias maus."
Sofia Fernandes

Por causa do desanimo que muitos de nós podemos vir a sentir nestes dias de confinamento. As energias mais poderosas do mundo estão a mover-se, e nós sentimos. A ansiedade, a expectativa, o medo, vão encontrar muitos de nós distraídos em algum momento dos nossos dias.

É muito importante percebermos que nada nos pode roubar a esperança, a luz, a capacidade de luta. Talvez seja esta a nossa oportunidade de voltarmos a olhar para as coisas que de bem fizeram os nossos antepassados. Espreitar as receitas das nossas avós e bisavós, que eram baseadas em simplicidade e carência, e que povoam as nossas melhores memórias de olfacto e paladar. Talvez seja esta a nossa oportunidade de desacelerarmos mais um bocadinho, e conseguirmos ter tempo verdadeiro para os outros. Talvez sejam dias bons para nos cultivarmos e sermos melhores para nós mesmos e para o mundo, que de mil e uma formas continua a ser absolutamente generoso com tantos de nós. O desafio é por cada dia mau, termos dois dias bons. Normalizarmos a tristeza mas não nos deixarmos vencer por ela.

Imagem da web

Faz toda a diferença.

Não é da nossa natureza

Estamos há dezassete minutos confinados. Sinto-me irritada, triste, pouco tolerante, preocupada. Amanhã vou arregaçar mangas e começar a destralhar esta casa, a abrir as janelas para deixar entrar algum sol. A fazer as minhas orações em silêncio. A ler, para povoar a minha mente com outras coisas. Talvez tome um banho de sal e me deixe chorar quietinha debaixo da água a correr.

Para mim estes são dias de profunda violência. Acho que é agora que me vou deixar cair.

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Por tantas razões

Uma das minhas pessoas preferidas no mundo da musica

 

pic by RMMF - about Hope

Falamos sobre isto esta semana, numa formação que estou a fazer. Sobre a extraordinária capacidade de plantas tão frágeis vencerem nos solos mais duros. 
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O que querem que vos diga. Assusta-me imenso este novo apagão na economia. Falta tanta coerência nos discursos e decisões politicas, há tantas preocupações vitais que nunca fizeram parte sequer das intenções. Mas oxalá que sim, que eu esteja enganada.

Nós por cá

Continuamos num inicio de ano pautado por decisões. Ás vezes não acontecem com calma e satisfação. Mas o importante mesmo é que me guio pelo que considero ser o melhor para a minha filha, dentro de uma consciência coletiva e de respeito também pelos outros. São aliás decisões nascidas de um certo despertar. E por mais que eu às vezes não goste do que vejo, o fundamental é não perder a capacidade de ver.

Estou a tomar-lhe o gosto: de fazer as coisas à minha maneira.

Nem poetas nem sábios e muito menos políticos; ninguém tem um olhar mais claro sobre a realidade do que as crianças. Serve também de recadinho para tantos adultos que teimam em não respeitar o momento que todos estamos a viver.



Infantário da Maria

São reflexões sábias da querida Simone de Oliveira:

Para quê contar os meus planos. Resolvo fazer um picnic para daqui a três meses. Depois daqui a três meses, contra todas as previsões, chove.

Pois é. Tantas coisas previstas para acontecer no dia 17, que vamos ter que adiar. O importante é a Saúde: estarmos sãos e salvos, e salvaguardarmos todos ao nosso redor.

A Maria

Tem feito de mim uma pessoa mais forte, bem mais corajosa. Nem eu sabia que tinha uma tolerância-elástico, e que podia ainda aos 42 perder noites e pares de meias em pilhas-eiffel de roupa, sem perder o juízo. Ela é como um antidoto na minha vida, cura-me todos os dias, do cansaço e de qualquer contrariedade.

Por ela, todos os dias tento fazer melhor.

Masterpiece

Foi assim, durante quinze anos.
❤❤❤

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about the Sun

São estes os dias mais bonitos do ano. Tão frios, mas tão cheios de Luz. Fatias inteiras de um céu azul generoso. Um Sol a brilhar com toda a intensidade, a dourar-nos a alma, e os dias.
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pic by Inês Peixoto
num daqueles dias em que era proibido

Somos um povo pacato, mas ao mesmo tempo um povo teimoso. Não somos mansos, somos até bravos. Ninguém nos há-de arrebatar a Liberdade, desde que os nossos antepassados ficaram na História no tempo das Conquistas e marcaram a ferro e fogo umas asas abertas num voo picado, no nosso ADN. Também somos um povo de brandos costumes e de leis de boca. É por isso que pouco se respeitou e pouco se fez respeitar o recolher obrigatório imposto nos últimos tempos.

É verdadeiramente aterrador o que está a acontecer nos nossos hospitais. E esta questão é mesmo de todos nós. Esta manhã ouvi um médico infeciologista dizer que tudo isto resulta não só do nosso comportamento durante as celebrações festivas, mas também da falta de testagem nos diversos equipamentos, aos profissionais de saúde. Sempre me fez confusão que não fossem periodicamente testados, de forma gratuita e com obrigatoriedade. Apesar de sermos também um povo de meias verdades, temos muita gente capaz de gritar verdades inteiras. Que às vezes incomodam, mas são verdades ainda assim.

Eu ainda continuo a ver grupos consideráveis de gente reunida, quer seja a beber cerveja na rua ou nas filas para espreitar os saldos. Teimamos em não ver o essencial e mais uma vez, o preço a pagar é ofensivo. Tantos comerciantes que se aguentaram até agora, não mereciam mais este valente pau pelas costas. Tantos profissionais de saúde esgotados. O recorde de dez mil infetados num só dia.

Ma vêm aí as Presidenciais, e nesse dia - só nesse dia - a luta contra a COVID19 pode esperar. Eu que sempre considerei importante votar, acho que pela primeira vez não vou exercer o meu direito ao voto, precisamente por convicção. Considero que numa altura em que nos vão fechar outra vez, não deve haver filhos só da mãe nem filhos só do pai. Custa-me que subestimem assim a inteligência do povo.

De resto, contra todas as profecias, continuo a Acreditar em 2021.

Tenho tanta formação online agendada para fazer por Janeiro adentro, que se houver lockdown não vou estar aborrecida nem sem saber o que fazer com o tempo. Procuro encarar como as estações: aquele tempo que nos parece de pausa e recolher, pode ser um tempo fértil se o tornarmos útil. Pelo meio quero descansar e organizar este nosso castelo que vai de patas para o ar. Quero sentir uns dias de férias e mentalmente organizar-me para estar inteira no novo ano. Preciso de respirar fundo e de ficar quieta, mais vezes. Janeiro é e sempre foi um bom mês para o slowdown, seja lá o que for que nos anunciem na próxima quinta-feira.

Flash

 

Pic by Inês Peixoto

Esta imagem ilustra o fim de ano de um grupo de jovens. Jovens que simplificam a vida. Jovens que celebram com alegria, sempre. Não era assim que deveríamos ser todos? São estes que fazem do mundo um lugar leve. Comove-me, simplesmente.

Li esta manhã que 70% das nossas crianças trabalharão em profissões que ainda não existem.

Assusta-me um bocadinho, o mundo muda de forma demasiado acelerada. Temos urgência, pressa, em chegar a um onde tão desconhecido. Estamos a criar fasthumans, em prol de um desenvolvimento que carregará às costas uma catrefada de responsabilidades maiores.

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Bom dia Vida

Despertei com a cabeça a fervilhar de pequeninas vontades. Ontem não foi o melhor dia, a tristeza transformou-me em tudo aquilo que não quero ser. Mas já dormi, já despertei, e hoje tenho a possibilidade de fazer melhor; tendo presente a obrigação de me manter na linha da gratidão para com a Vida, que só tem sido generosa comigo. Em 2020 ninguém cá em casa perdeu o emprego, ninguém adoeceu, para não voltar a falar do nascimento da nossa filha. Em 2021 quero fazer coisas novas, quero cuidar-me mais, quero trilhar monte e pisar praia com o Luís e a Maria, quero ter mais manhãs e pequenos almoços juntos, quero ler muito porque em 2020 li pouco, quero falar menos, quero aprender a ser mais coquete, quero destralhar a minha casa, e quem sabe surpreender-me com mais umas quantas pequeninas coisas boas inesperadas. A Vida se não for simples, é para simplificar.

Das dores, das quedas, das deceções, só quero resultar mais forte e serena. Dizem os antigos que Deus só nos manda o que podemos aguentar.

Tenho saído cedo de casa para ir trabalhar. Não me lembro de ver os jardins da cidade assim cobertos de geada. Têm sido os dias mais frios do ano de que tenho memória.

Carlos do Carmo


Tenho ideia de que foi um dos homens mais elegantes, charmosos e cultos da nossa História.

Sobre Família e sobre Amor

Um dos manifestos mais bonitos de sempre:

na hora de pôr a mesa, éramos cinco

na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco.


José Luís Peixoto, in 'A Criança em Ruínas'

Sobre gerir melhor as emoções

2020 / 2021. Uma passagem diferente. Uma data memorável, em que não estive conectada com nenhum familiar direto além da minha filha. Uma data em que palavras de gratidão, de amor e de respeito, ficaram sem resposta. Esta minha forma intensa de sentir, de me entregar, de me preocupar, não tem sido a melhor forma de me querer a mim mesma. A tristeza muitas vezes cumpre bem o sinal de alarme interior; foi por causa dessa tal tristeza e desilusão que tomei decisões nos primeiros minutos do ano. São decisões inesperadas para os outros, duras para mim, mas conscientes e coerentes com os últimos acontecimentos.

Acho que 2021 vai ser um ano bom para mim. Vou certamente cuidar-me mais.