Para ler em 2022

 "Ai WeiWei desvenda "1000 Anos de Alegrias e Tristezas", a biografia em que fala do pai e do filho. E de como ficou emparedado entre eles." Expresso

O ano a terminar

"Não sei se já vos é nítida, aos meus olhos pôs-se nítida a ausência dos velhos. Os que morreram e os que se confinam (...)" Valter Hugo Mãe, in Cidadania impura

Reparei nisto no outro dia na missa. Teve mais impacto em mim do que é costume, ver tantas cabeças cobertas de branco. Talvez porque afinal no dia a dia já não veja tantas como era costume. Isto representa um vazio muito grande nas famílias, perda de sabedoria e perda de amparo. Perdas de valor incalculável na educação especial das nossas crianças, porque não há nos dias de hoje pais que substituam os avós.

Natal

Dizer-te Maria, que a mamã apreciou muito o teu carinho especial em relação à figura do Menino Jesus. Que ainda não tens 2 anos mas descobriste no primeiro minuto que o Pai Natal que nos entrou em casa, era afinal o avô Zé. Rimos muito mas eu fiquei triste: quero que Acredites. Abriste tantos presentes - demasiados - que a dada altura pensei e senti que não é nada daquilo que eu quero para ti. Por mais que me digam que és pequenina e que é assim mesmo. Ganhaste muitos livros - aspecto positivo. Recebeste dos teus avós a prenda mais linda do mundo: uma pulseirinha que foi do teu pai quando era pequenino como tu, e um fio que a tua avó ofereceu ao teu avô quando namoravam e que ele levou com ele para a guerra no Ultramar e perdeu e achou de novo.

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O Nelo ligou-me hoje, para desejar Bom Natal: Grande. Senti-me particularmente triste e cansada este Natal. Confesso que senti falta de que alguém me fechasse num abraço apertado. Como se o Amor ficasse uma coisa amorfa, sem quentinho nem magia. Lá em casa, do outro lado do mar, passaram bem; pelo menos a mãe está outra vez próxima das minhas irmãs e sobrinhos.

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Hoje assisti a uma missa e caminhei por ruas vazias, iluminadas.

A coisa certa mais certa de todas as coisas, não vale um caminho de sol, da Gal

Vicks vaporub

Voltar a usar este bálsamo depois de tantos anos, deixou-me uma saudade nostálgica da minha mãe e dos meus irmãos, de quando éramos pequeninos. Quando nos fazemos mais velhos, damo-nos conta de que até os dias mais difíceis da nossa infância, podem aflorar-nos na memória com uma espécie de doçura. 

Um Dezembro sem cheiro nem sabor

No que vai de ano quase não choveu, agora em Dezembro tivemos um par de dias completamente primaveris apesar das manhãs muito frias. Para quem gosta de plantas como eu, para quem tem plantas de exterior, sabe o quanto elas estão numa aparência de estranha agonia, nem estão bonitas nem ficam feias de uma vez, estão num meio termo que parece compasso de sofrimento. São tão precisas as chuvas que acho que vai ser um dos meus pedidos este Natal.

Sobre os presentes, nem é desculpa nem dá muito jeito mas não consegui comprar nada além de uns livros à Maria. Dei um salto a Santa Catarina e um mar de gente à procura do espirito de Natal no meio das luzes e do fumo das castanhas do vendedor que lá anda, fizeram-me fugir.

Cá em casa estamos todos doentes com uma gripe como nunca tivemos. Vacinas e testes para a frente e para trás mas é neste ponto que estamos. Nunca antes fiquei com os brônquios neste estado. Apesar de ter perdido o olfacto e o paladar, estranhamente os testes dão negativo. Vamos passar ao antibiótico e ver no que isto dá.

De resto dizer-vos que este ano não quero o Natal. Sinto-me triste, cansada, vazia. Apesar de termos uma criança em casa, alguém que eu amo muito vive os seus últimos dias numa cama de hospital. E não há nada, mesmo nada, nem mesmo o Natal, que supere essa tristeza. No outro dia com a morte do Rogério Samora dei por mim a pensar que cada vez que nos morre alguém que faz parte da nossa história ou da nossa geração, ficamos nós também um pouco mais próximos do fim.

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Do que eu tenho medo

Que a minha filha não goste de livros. Que algum dia para ela o centro do mundo comece naquele pequeno umbigo que Deus lhe deu. 

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O mistério insondável da Vida

As primeiras chuvas a sério chegam tarde para o que é habitual aqui no norte. Os dias ficaram bem pequeninos quase de repente - não foram ficando -, tudo o que é vidro está embaciado a toda a hora, todos os tons de cinzento bailam lá fora na rua, as árvores entregam-se vencidas numa procissão silenciosa de nudez. Durante muitos anos achei o Inverno uma estação bem triste, já não acho mais. De tal maneira que algo em mim sentia a falta destes dias de maior aconchego, de olhar mais dentro mais fundo, de no escuro plantar luzes, de beber um vinho tinto e sentir glória. Todas as estações são belas. Todas cumprem uma função ímpar em importância.

Só há um cansaço estranho no ar. De tudo, até mesmo do Natal.

Força Estranha


É bonita demais. Parece mentira que a ouvi pela primeira vez na vida esta semana.

Sobre essa autenticidade que tantos não têm.
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As novas janelas do vírus

Estou numa fase difícil da minha vida. Nunca antes me tinha sentido vitima de assédio laboral. É um palavrão feio demais, e eu nunca tive perfil de vitima; eu nunca pensei também que um dia fosse acontecer comigo. 

Primeiro foi logo que apareceu o vírus, a Maria acabada de nascer: uma proposta de redução do meu salário em 25%. Propus baixarem 50 euros e a resposta foi que isso não era significativo para a empresa. Algum tempo depois chegou a proposta de redução de folgas, que obviamente numa fase precoce da minha primeira viagem de mãe, neguei. Depois chegaram as situações dúbias e sem mais chegaram também as caras amarradas, de quem se pudesse não cruzaria mais comigo. Tudo o que eu sempre fiz com a mesma atitude durante cinco anos, de repente está sempre errado como se fosse a coisa mais grave do mundo. Até que ontem fui tratada literalmente como uma catraia que não sabe onde está a mão esquerda ou a direita. Á frente de colegas, com uma atitude do mais hostil que possam imaginar. Tenho 43 anos e foi a primeira vez em contexto de trabalho que passei por algo assim.

Á conversa com a minha médica, percebi que é comum acontecer. Com esta história da pandemia, patrões nervosos, sem poderem despedir, acontece ainda mais. Que entre outras coisas, é a forma mais económica de um empresário se ver livre de funcionários. E que a minha saúde se prejudica muito com o desgaste num braço de ferro absurdo. Em ultima análise este mau estar atinge a minha filha e isso para mim é a gota de água.

As coisas só nos magoam assim quando as pessoas envolvidas são pessoas que um dia admiramos tanto. Porque nem para todos tudo gira apenas à volta do dinheiro neste mundo.

Por mais que eu tente não ver, já não dá mais para ignorar.

Pensamentos baixinho, de mim para mim

Ao ouvir o Dr. Lair Ribeiro esta semana, dei-me conta de que ambos têm sucesso mas só um é bem sucedido, é que são coisas bem diferentes.

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A Vida

 Chovia tanto quando cheguei com a Maria em braços à praça de táxis. O ultimo carro acabava de ser ocupado por um senhor de uns 70/80 anos. Ao ver-me chegar voltou a sair do táxi e disse: A menina vai primeiro, tem uma criança ao colo. Agradeci muito e não hesitei, mas antes de fechar a porta perguntei-lhe para onde ia porque se ficasse em caminho deixava-o ficar no percurso da minha viagem. Agradeceu, acenou, sorriu e disse: Vá descansada mãe, eu tenho tempo. Vocês sabem a quantidade de gente que fingiu não ver a minha barriga de grávida em simples filas de supermercado?

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Ontem ao sair do bus e esperar o semáforo verde abrir, também com a minha filha ao colo, alguém ao meu lado, um senhor também já na casa dos 70, sorriu e disse: Você tem uma menina mesmo muito linda sabe. Só que você tem uma cara muito triste. Respondi que tinha tido um dia difícil no trabalho e estava triste mesmo. Aquele senhor disse então num sotaque brasileiro: Pois é, mas não pode deixar que roubem um sorriso que é o da sua menina, esse você tem que ter sempre para ela.

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Comove-me tanto esta elegância na educação. Talvez porque já não se encontre muita gente assim.

Dezembro

 Na recta final do ano, vamos sempre a tempo.