Só um desabafo

Confesso que isto da Covid19 me faz sentir, amiúde, emocionalmente instável. Tem dias que fico triste e à toa, isto de vivermos do trabalho para casa e de casa para o trabalho, mesmo para mim que sempre fui caseira, não é saudável. Avançamos sem discussão para sociedades autistas à força; no mínimo parece-me violento. Outros dias fico seriamente preocupada, quando vejo o estado anímico das minhas médicas afetado - e elas são de verdade profissionais de excelência. Mas alguém tem o direito de em nome de que doença seja, matar-lhes os sonhos e o profissionalismo que tanto lhes custou a alcançar? E elas importam e muito, sabem porquê? Porque quando por fim dermos cabo da saúde mental de quem nos cuida, começará uma inversão importante na nossa esperança média de vida. Algumas vezes fico só zangada, muito zangada. Sem encontrar lógica nenhuma em tudo o que está a acontecer. A Covid19 deveria ser encarada como uma gripe especial, com o reforço do devido cuidado com a população de maior risco, com o uso coletivo de máscara, com tudo o que estiver ao nosso alcance fazer, dentro de uma normalidade que não percebo em que momento se tornou tão facilmente descartável. Pouco se sabe sobre a doença mas os dados são reveladores ao indicar uma grande maioria de infetados assintomáticos. Porque estamos então a abandonar milhões de doentes com outras patologias tão ou mais graves, em nome da Covid19? Por causa de números importantes mas contáveis de internados, fechar em casa milhões de pessoas saudáveis? Matar literalmente milhões de negócios? Mas será que nos falta coragem para ver o que vem a seguir, quando nos mandarem de novo para a rua? Onde vamos arranjar emprego?

Ás vezes fecho os olhos e tudo isto me parece ainda uma grande alucinação. O mais grave é que não está a acontecer num país, está a acontecer no mundo inteiro.

(...)

Flash

 


"O meu pai partiu quatro ossos, só num abraço que me deu."

Continuam a existir dramas maiores do que esta nossa depressão comum por causa de tudo o que esta pandemia veio condicionar nas nossas vidas.

Continuamos a ter quase tudo, e a não saber quase nada.

Flash

 

Sobre as sombras. 

Sobre estes tempos difíceis, inesperados, estranhos. 

Sobre a dualidade, sobre as oportunidades, sobre a resiliência, sobre a cor da verdade.

Sobre manter a esperança. Sombras serão sempre uma questão de Sol.

Invernar cá dentro

Se eu pudesse ao menos fazer como as sementes, e dormir meses. Quietinha, sem ninguém dar por mim, sem ninguém esperar nada de mim, sem ninguém lembrar sequer que eu estivesse ali.

(...)

Não sou aquela mãe que assinala e conta os aniversários mês a mês. Não sou aquela mãe incansavelmente inderrubável. Não estou sempre a rir, e digo palavrões naqueles dias em que há um tremor de terra a acontecer cá dentro (ultimamente acontecem muitas vezes). 

Talvez um dia eu seja uma mãe melhor.

A C19 fez-nos regredir

 Anos e anos: no sector da Saúde e a nível de relações humanas.

Segundo a Time Out, eu já vivi num dos 14 bairros citadinos mais cool do mundo. Confesso que até hoje foi dos sítios onde menos gostei de viver.

"Na qualidade de socióloga, Michéle Lamont argumentou recentemente que os indivíduos das sociedades neoliberais pós-colapso económico se voltaram para a crença "de que têm de olhar para dentro, em busca da força de vontade necessária para se erguerem pelos seus próprios meios e resistirem à vaga de declínio económico". Esta crença tem consequências sociológicas importantes: não implica apenas o perigo de esvaziar o eu do seu conteúdo comunitário e politico, substituindo-o por uma autoatenção narcisista; na medida em que convence as pessoas de que a via de saída dos seus problemas é essencialmente uma questão de esforço e resiliência pessoais."

Edgar Cabanas e Eva Illouz, in A ditadura da felicidade

Flash

 


O que outrora foi a ruina mais feia da cidade.

Flash

 


"E tu, o que fazes com o mal que te fazem?"

Flash

 

2020

Sobre a generosidade das primeiras chuvas do Outono.

Flash

Que saudades de mim pelas ruas a fotografar o nada. Nos últimos dias voltei a ter um olhar próprio sobre as coisas que me aparecem no caminho. Como se uma necessidade mais forte, mais aguçada, mais urgente, de me resgatar, estivesse a acontecer.

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O bebé Rodrigo

Vi esta manhã nas noticias que está quase a cumprir um ano de vida. Foi por esta altura que há um ano atrás me senti muito triste e ansiosa. Faltavam três meses para cumprir a minha gravidez e alguns medos e incertezas dominavam o meu pensamento. Quando aconteceu o nascimento do Rodrigo, fiquei chocada. Esta manhã dei por mim com lágrimas ao pensar naquela mãe. Ela e tantas outras, com filhos dependentes por incapacidade, sem jamais vacilarem na força, na esperança e no amor. Há-de comover-me sempre; e impressionar-me.

Quase um silogismo

Sobre a C19:

Se o Boris apanhou , se o Bolsonaro apanhou, se o Trump apanhou;

Quais as chances de eu não apanhar?

Eu já fui uma pessoa mais resiliente

Sinto-me cansada. De tolerar os mesmos erros, de tropeçar em pequeninos do costume, de procurar uma curva para descansar dentro de um cubo rígido. São fases da vida. Mas desta vez nem sequer me apetece lutar contra este estado de alma. Apetece-me antes ouvir o meu corpo, o meu sentido mais apurado. Mesmo a grande capacidade humana que é a resiliência, deve ser em doses razoavelmente inteligentes, de forma a não passarmos de resilientes a seres amorfos.

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