Semana em que tudo parece grande demais para mim

O temporal que anda nas ruas, anda cá dentro de mim também. Quero estar sozinha e quieta, não quero nada nem ninguém. Estou exausta e farta de sentir que não tenho qualquer valor. Semana de merda, com oito dias de trabalho que me estão a custar horrores, com a miúda cheia de febre e eu nem sequer posso cuidar da minha filha. Eu nem sequer posso dormir ou descansar direito. Ando pela rua noite adentro com chuvadas impiedosas e um frio de morrer. Uma tristeza que já nem dói. Tudo parece dar errado, até mesmo a minha maternidade. E eu nem sequer encontro o mínimo de compreensão ou colaboração mais activa. Deve ser mais ou menos o que sentem os burros ou as mulas de carga, que não servem para mais nada na vida.

Não sou das que fingem que está tudo bem. Está tudo mal, está tudo péssimo.

Presentes da Maria e do Luís

 











Exposição internacional de Orquídeas, na Fundação Cupertino de Miranda, no Porto

De quando por Amor se transformam os dias pequenos em dias grandes.

Um dia no parque

peidos de velha


o teu pai é careca?




com as minhas duas metades inteiras.

Olha...


alguém escreveu uma musica tão para mim.

Força miúda, são só uns dias maus. Agarra-te a ti mesma.

Sobre a minha teimosia

em ir fazendo coisas de que realmente gosto:

Esta semana, com uma folga isolada antes de oito dias seguidos de trabalho, a sair do trabalho dias a fio à hora pesada da meia-noite, consegui estar presente num encontro de Pediatria oncológica. Ficava dias inteiros a ouvir o Professor Júlio Machado Vaz, um poço sem fundo de saber. O encontro foi no IPO do Porto. Algumas imagens do meu dia, que foi passado entre médicos, enfermeiros, psicólogos e psiquiatras. Mas também em corredores cheios de desenhos e mensagens, por onde circulavam crianças doentes. Também entre palhaços alegres, porque há-de ser sempre a alegria que nos salva:



Só um bocadinho das pérolas ditas pelo Professor Júlio Machado Vaz:

"A maneira como as pessoas sofrem, não tem nada a ver com dor. Nós somos muito mais eficazes a controlar a dor do que o sofrimento."

"O super especialista é alguém que se não tiver cuidado sabe cada vez mais sobre cada vez menos."

"O médico prescreve-se a si próprio: nós fazemos parte do tratamento pela maneira como cuidamos."

"A sobrecarga, o burnout, são sempre maiores nas mulheres. Porque a mulher é a cuidadora por natureza e está muito mais sujeita ao escrutínio."

"Se os profissionais de saúde mantiverem a arrogância, o futuro da Medicina não vai ser um futuro brilhante."

"Os estilos de vida saudáveis não se devem transformar numa santa inquisição. Porque isso às vezes é só o caminho mais curto para o doente desaparecer. É preciso trabalhar a interiorização."

"O doente que vem falar connosco toca muitas vezes cordas sensíveis do nosso violino psicológico."

As invisíveis

Histórias sobre o trabalho de limpeza, um livro de Rita Pereira de Carvalho. Provavelmente o livro de cabeceira mais barato de todos os tempos. Um livro tão pequeno que diz coisas tão grandes.

Ontem deixei definitivamente de ser Psicóloga. Assumo-me uma invisível.

Sobre os ultimos dias

Alguns socos no estômago, algum desencanto. Começo a perceber que nunca mais vou trabalhar na minha área porque simplesmente não mereço. Formei-me e formo-me todos os dias para fazer uma coisa, mas a verdade é que ando sempre atrás de fazer outra. O Univerno não te pode fazer nascer maçãs se tu és uma pereira. E estes dias particularmente sinto um misto de desencanto/tristeza e zanga interior: sempre ouvi o ditado nunca sirvas a quem serviu, parece que vim a este mundo apenas para isso: para servir e enfrentar faltas de educação grosseira, que o meu estômago já não quer aguentar mais.

Para além de tudo estamos na semana da Paixão de Cristo. Dói-me o umbigo, e dói-me o coração.

(...)

Dias de Sol

 





Laranjeiras. Acácias. Fatias de céu azul em vielas do bairro das artes. Roupa estendida nas janelas, porque o Porto há-de ser sempre dos de sempre. A quietude destes primeiros dias grandes ensolarados do ano, mostra-nos o quanto todos precisamos de sair das tocas. Celebrar a Vida porque sim, porque estarmos aqui e agora.

Cenários que chocam

Perceber que ficaram velhos. Que mal se conseguem mexer. Que chateiam com a repetição das mesmas conversas, tal e qual a Maria. Perceber numa só fotografia todo o acelerar drástico de um processo que vamos ter que viver com eles. Perceber que a fotografia é mesmo triste. E que chegados a essa idade, nem dinheiro nem família garantem nada. A saúde física e mental falha, e é mesmo assim. É só o ciclo natural da vida.

A minha mãe repete com tristeza, já há alguns anos, a mesma ladainha cada vez que se sente contrariada ou incompreendida: "Não se pode ser velho..." 

Pedir a Deus sabedoria e força. Para saber ficar ao lado deles contra ventos e marés. Até ao fim.

A coragem para dizer a verdade

 Isto



Acho que tudo passa por saber hibernar nos próximos tempos. A Quaresma sempre foi isto, uma vontade grande de ficar em silêncio e invisível. Ir buscar fôlego às paredes azuis em dias de sol, com rebentos que se mostram verdes num poro mal fechado entre o assentar de dois azulejos firmes. Não precisamos de explicar porquê que a Luz nos fazem bem. Não precisamos de justificar os nossos resgates interiores.

Gostava que alguém me explicasse de onde me vem tanto cansaço. Uma coisa crónica, a que muitas vezes não consigo dar a volta. 

(...)

Dias importantes

Hoje a nossa menina abriu mão de algo muito importante para ela: a chupeta, chamada carinhosamente desde sempre por . Já só a usava para adormecer. Resolvi pedir ajuda à educadora e fiquei a saber que no colégio têm um ritual de levar os pequenos à sala dos bebés para deixar lá ficar a chupeta. E foi o que fizemos. Para ela foi uma espécie de marco no crescimento. Entregou a pé à Manuela que também cuidou dela quando ela era bebé, "para dares ao primeiro bebé que chorar". O primeiro luto da minha menina, que nos custou tanto. Eu só queria pegar nela ao colo e abraçá-la muito, mas ela tão firme e sem choro à vista: "não mamã, não vês que eu já sou crescida!". Quando chegou à sala iam fazer uma roda sentados no chão, para a Maria contar a todos os amigos que já tinha deixado a pé. Parece ser que lhe bateram palmas. Tipo alcoólicos anónimos, achei engraçado. Uma forma interessante de eles tão pequeninos exorcizarem as dores e até mesmo de se sentirem valentes e corajosos.

Obrigado meu Deus, por me permitires tanto no meio de dias tão difíceis que atravessa o mundo.

Melhor é impossível

Folgas e dias de Sol. Fase de dane-se o mundo.
Tirar um tempo só para mim. Para sofá, para leitura, para não olhar para o relógio, para não fazer ou atender chamadas. Para nem sequer responder a mensagens importantes. Permitir-me ficar de pijama um dia inteiro, e tomar um breakfast de rainha.
Parar. Parar a tempo. Melhor foco e maior resiliência dependem seriamente de sabermos fazer isso.
Não é fácil, mas é necessário.

O povo escolheu

O povo está farto e o resultado foi quase um grito de Ipiranga. Numa altura crucial para qualquer país no mundo, Portugal atreve-se. Mas apenas o suficiente para ficar como o tolinho no meio da ponte, e isso traz sempre consequências. Apertem os cintos: não estávamos bem, mas muito provavelmente vamos ficar pior.

Sobre uma Democracia que nos compromete a todos: à memória não se pedem contas, nem se separa o trigo do joio.

Querida Maria


Desejo que um dia te sintas afortunada por teres nascido menina. Pela experiência espiritual transcendente que reside nessa condição que Deus te deu.
Quero que saibas que apesar da vida de uma mulher não ser uma coisa muito fácil nos dias de hoje, assim que soube que dentro de mim existia uma sementinha, desejei com todas as minhas forças que fosses mulher.

Março



Um Inverno rigoroso atravessa o mês e atravessa-me a alma. No entanto vi esta manhã fotografias de Vinhais: quanta beleza num manto imenso branco, as terras cobertas de neve. E foi de repente, na alvura daquelas imagens, que o meu coração estranhamente aqueceu. É como se Deus fosse a maior e única certeza. Os Homens inventam máquinas, inventam o espaço, inventam novos homens. Mas a mão silenciosa de Deus é quem realmente governa o mundo. Chove e neva quando Deus quer; é um conforto absoluto saber que não nos roubaram o Inverno.

Ser mulher em 2024

Sobre as minhas dificuldades, eu que vivo com um rapaz moderno e que até sabe fazer tudo dentro de uma casa, gostaria muito de ter percebido um bocadinho mais da poda antes de a Maria ter nascido. Porque hoje em dia gostaria muito que o Luís percebesse que ambos trabalhamos fora e temos empregos exigentes. Que ambos detestamos arrumar a cozinha todos os dias do ano, menos dois. Que ambos gostamos de relaxar no fim de um dia, e que só por uma vez que fosse, nos últimos quatro anos da minha vida, eu gostaria de não ter ido adormecer a Maria logo a seguir ao jantar. E ficar a ver filmes, a beber um vinho ou a roncar no sofá. Que ambos precisamos igualmente de roupa passada a ferro. E que ambos usamos a escovilha do wc! Que deveríamos alternar quando a Maria adoece e alguém tem que ficar em casa. Que no que toca a mudar horários, perder empregos, esticar a corda até seja o que Deus quiser, não devia ser obrigatoriamente coisa da mãe. Somos sempre a primeira carne a ser lançada aos leões. Passar uma única folga na semana a limpar a casa porque se não for assim mais ninguém limpa, não devia ser coisa só da mulher. Levar o lixo! Essa tarefa inferior e básica que parece ser exclusivamente minha. Não acho nada romântico esse contrato implícito de "Oh meu senhor e amo, levarei o seu lixo por toda a eternidade até que a morte nos separe."

Por mais que sejas o melhor pai do mundo e que cozinhes quando te apetece, ainda estamos muito longe da justa igualdade que nós mulheres tanto ambicionamos. Se tu pelo menos reconhecesses.

De resto dizer neste dia da mulher que admiro muito todas essas mulheres que em meio de vidas tão atribuladas ainda conseguem tempo para estar sempre bonitas. É dessas que eu gostaria de um dia ser!

Na vida real

As pessoas, grande parte delas, vive de modo tão frenético que mal responde a um bom dia. Mesmo dentro de um hospital há essa falta de empatia grosseira. Esta semana eu disse "bom dia" a um médico apressado que sem olhar para mim me respondeu "obrigado"

Na vida real as pessoas têm medo de tudo, mas vendem a iris sem saber para quê ou a quem.

Na vida real muitos homens criticam a existência de um dia da mulher.

Na vida real casar é na maioria das vezes um contrato. As pessoas casam por causa das vantagens, não por causa do amor.

Na vida real os casais perdem o tesão.

Na vida real o Inverno vem quando quer. E os pássaros aguardam o tempo necessário.

Na vida real uma mãe erra muitas vezes.

Na vida real a maioria dos discursos políticos são só discursos. Na vida real o povo está farto.

Na vida real os casais inventam divórcios e moradas separadas para ir buscar subsídios, e o Estado lesado vira a cara para o lado porque dá muito trabalho por a casa em ordem. Na vida real tanta coisa sem quem para fazer e tanto rendimento mínimo entregue em vão a quem não sabe como matar o tempo. Na vida real os presos têm acesso à cultura porque o teatro vai às prisões e eu que me esfalfo a trabalhar e a descontar, não consigo consumir cultura. Na vida real querem dar subsídios a quem tem animais e eu que tenho uma filha, só porque escolhi trabalhar, já não tenho direito ao abono. Na vida real nem sequer temos um hospital veterinário publico. E assim vamos, ansiosos por um telhado quando nem sequer temos paredes.

Se tudo correu bem, na vida real de cada um, a mulher da nossa vida é a nossa mãe. Porque na vida real nem sequer um filho nos chega a querer tanto como ela.

Na vida real todos estamos, impreterivelmente, a caminho do fim. E todos haveremos de cheirar terrivelmente mal quando o corpo se demitir da vida. Alguns nunca vão entender a dimensão espiritual desta nossa breve passagem.

(...)