Expressão da minha terra que significa coisas tão diferentes e opostas como repugnância, enfado, surpresa, alegria, alivio, espanto. Expressão que me lembra a minha avó e me une à minha África-berço que não conheço. Uma palavra inteligente, que obriga a interpretar por inteiro a frase, incluindo a entoação e o sorriso ou a interrogação que dela fazem parte.
Sobre a coragem
Dos nossos idosos e dos nossos profissionais de Saúde. De todos os que estão a ser pioneiros na toma da tão esperada vacina contra a Covid19. O mundo precisa dessa esperança maior de quem não só acredita, como quer fazer parte da mudança. É a melhor forma de encerrarmos o ano: com o farol da esperança a iluminar o horizonte.
Natal
Sobre esse tempo mágico, em que a generosidade nos surpreende e nos comove. Sobre a certeza de que o mundo precisa dos nossos abraços. Sobre a Luz, na história de um menino-milagre perseguido à nascença, um menino que ensinou a todos a história do amor incondicional. Sobre dar de nós o melhor que pudermos e soubermos, sobre vontade férrea de fazer feliz. Sobre os laços firmes, sobre a substância que alimenta a alma. Sobre dias tão frios, repletos de calor. Sobre Famílias reunidas ao redor de uma mesa. Sobre pessoas gentis, e bonitas. Sobre acreditar muito, sobre querer fazer parte. Sobre rir, sobre restaurar a Fé.
(...)
E o ano quase termina. Um ano muito especifico, que nos tem ensinado tanto sobre a nossa resiliência comum. Aquela resiliência inata ao ser humano, aquela que não é só dos fortes ou dos desenvolvidos, aquela que todos descobrimos que temos naturalmente quando acontecem fatalidades. Alguém seria capaz de imaginar, alguma vez na vida, uma época natalícia com os comércios fechados nos feriados? Entre tantas outras coisas que temos sido capazes de viver, e que afinal é disso mesmo que se trata: temos sido capazes. Porque somos e seremos sempre, bem mais fortes do que pensamos.
Tenho corrido tanto. Todos os dias. Tenho trabalhado o mais que posso, procuro abraçar tudo o que a vida me vai propondo neste Dezembro cheio de luta. Cá em casa os dias sucedem-se iguais, numa monotonia que aborrece mas basicamente temos saúde, paz, contas pagas e amor, que não é pouca coisa. A esta altura existem pessoas a enfrentar dificuldades verdadeiramente sérias como consequência desta pandemia. Existem pessoas a reinventar-se a cada segundo para evitarem a queda, e fazem-no com uma esperança comovente. Se essa gente tem Fé, quem sou eu para esmorecer.
(...)
Gostava de pensar diferente sobre 2021, mas prevê-se um ano tão difícil. Gostava de justificar esta nossa ansiedade em terminar este 2020 tão duro. Um ano que marcou a vida de toda a gente, um ano marca, um ano viragem para não se sabe muito bem que futuro.
Procuro focar-me nas coisas boas deste 2020, aferrar-me a essas para me embalar com força para 2021, tendo bem presente que nos anos mais difíceis também acontecem as coisas mais felizes.
2020. O ano em que nos nasceu a nossa Maria.
Olá Dezembro
Crash bum bang
Para quem ainda pensa que isto da Covid são só trocos de dias, o café Majestic fechou!
“Na nossa documentação constatámos que em plena II Guerra Mundial, pagando taxa de guerra às Finanças, [o Majestic e o Guarany] estiveram sempre de portas abertas”, afirma o gerente, Fernando Barrias, ao PÚBLICO.
Aos 42
Descobri que tenho um agressor na minha árvore genealógica, o meu pai biológico. Bateu na minha mãe desde os quatro meses na minha gravidez. Cossas violentas sem sequer haver ponta do novelo; batia só porque sim, como tantos outros que por esse mundo agridem. A minha mãe conseguiu contar-me agora, que sou mulher já mãe, agora que tenho as minhas opções mais que definidas, nas quais ele definitivamente não tem lugar.
Caramba, a minha mãe! Ela que sempre foi uma mulher tão valente. Como foi capaz de perdoar uma e outra vez? Comer e calar nunca foi uma faceta que lhe associasse. Dá que pensar no medo por detrás do silêncio das vitimas.
A ele não tenho nada para perdoar. Reservo-me o direito a escolher quem quero que pertença à minha vida e por consequência à vida da minha filha.
Life goes on.
Coisas tão boas deste Novembro que termina
Tivemos os dias de Sol mais bonitos do ano. Vamos crescendo, com tantas adaptações necessárias. Pelo burburinho nas ruas, estamos prontos para abraçar o Natal, da forma que for.
(...)
Tenho a sorte de trabalhar com pessoas que têm muitos defeitos. E entre esses defeitos, inúmeras qualidades que me inspiram todos os dias. Pessoas que em vez de fazerem greves de fome, perderem dias inteiros em manifestações ou malgastarem o seu tempo e discurso em palavras azedas contra um governo que é o que temos, se reinventam a cada manhã. Olham para cada canto dos seus negócios à procura de um fio de luz que faça nascer qualquer nova oportunidade. Que nunca se cansam nestes dias de profundo cansaço. Que aceitam o desafio e tentam surfar a crise que está aí para todos, para eles também.
Uns queixam-se da falta de sorte, da falta de oportunidades, da falta de justiça. Outros arregaçam as mangas e trabalham, trabalham, trabalham; mais agora do que em qualquer outro momento das suas vidas. Em todos os dias - nos bons e nos menos bons - com tanto afinco que continuam a crescer.
Estes são os realmente fortes.
Sobre a violência
No outro dia ao partir um ovo para estrelar, encontrei gémeos. Hoje, ao descascar amendoins, encontrei três na mesma casquinha. E tudo me traz à memoria como tudo começou, como foi longo e difícil o caminho. Ergo as mãos para o céu e agradeço a Deus esta bênção chamada Maria. Esta força tão grande chamada Amor. O privilégio de sentir a graça e proteção divina sobre nós. Todos os dias.
A decoração de Natal este ano, cá em casa, vai ser simbólica. A Maria ainda não percebe o acontecimento, e nós do que precisamos mesmo é de saúde e paz. De maneiras que montei apenas a árvore pequena e nem sequer tirei as bolas dos arrumos. Luzes e chocolates, e está feito. Gostava de poder dar um abraço à minha mãe e aos meus irmãos, e de que saíssemos destes dias tristes logo. O pai da Maria já lhe comprou dois brinquedos, pelo que eu decidi que não lhe vou comprar mais nada. No outro dia à conversa com uma amiga a quem a COVID19 entrou pela casa adentro e abraçou todos os membros da família, ela dizia-me que este ano tomaram a decisão de não comprarem presentes para ninguém, nem mesmo para as crianças. É uma postura tão correta como a totalmente oposta. Deve haver quem queira celebrar enfatizando ainda mais tudo o que nos traz alegria, porque de facto no que sobra do ano estamos bem precisados dela. E é preciso ajudar a salvar os comércios, e permitirmos assim luzes de Natal em mais casas para alem da nossa. Exorcizar o medo.
É preciso deixarmos o Natal acontecer nos nossos corações.
É tão mas tão sério o que está a acontecer nos nossos hospitais. Choca-me ainda ver gente nas ruas sem máscara, ou a usá-la de forma rebelde. O conforto de que a maior parte de nós ficará assintomático ou com sintomas leves, não compensa o peso de pensar que posso ser a responsável pelo adoecer grave de alguém. É tão fácil o contágio, é tão fácil o descuido.
(...)
Meu aniversário
42.
Meu primeiro aniversário na condição de mãe.
Um dia calmo, feliz, bonito, na companhia das duas pessoas que são a minha casa no mundo. Com direito a uma bela fatia de mar, a Sol, a champanhe e a muito Amor.
Sobre o confinamento este fim de semana
Uns dias lindos, de um sol absolutamente convidativo, com um céu de um azul sonho mais limpo do que no pico da Primavera. Parece castigo, parece provocação. Nós que somos como os bichos, e andamos fartinhos da toca, lá íamos rejeitar tamanha generosidade do universo?
O que aconteceu na realidade foi que o que as pessoas fariam num fim de semana assim em vésperas de Natal, mais tranquilamente ao longo de um dia inteiro, fizeram na mesma até às 13h. Filas absurdas de gente, trânsito caótico, a Foz ao rubro. Tanta gente sem máscara. Ás 13h lá viemos todos a correr para casa, a chegar tipo a Cinderela mesmo no bater do ponteiro. Entretanto senhores governantes, tudo o que podíamos fazer para espalhar bem o vírus, fez-se na mesma, só que até às 13h. De forma agravada, porque fomos obrigados a juntar-nos mais um bocadinho, devido ao reduzido espaço de tempo permitido para resolver as nossas coisinhas mundanas.
Temos portanto a concluir que a propagação do vírus encontrou neste fim de semana, terreno fértil para continuar a aumentar.
Esta semana cruzei duas vezes com homens a usar vestido. Num dos casos um vestido de veludo vermelho, no outro um vestido curto. Eu sei que mudam-se os tempos, e que o moderno é cada um ser o que bem lhe dá na gana. O que eu acho curioso é que seja necessário chocar para se sentir normal. Que vestir um vestido possa fazer tanta diferença na vida de alguém, seja homem ou mulher.
Sem querer ofender ninguém, acho mesmo que estamos (nós sociedade) a perder seriamente a noção do ridículo.
Flash
A maior sorte
Tenho que partilhar
"Sinto que o momento que vivemos torna urgente que se fale de saúde mental e de depressão sem tabus. De um dia para o outro passámos a contar contaminados e óbitos, ficámos sem liberdade como a conhecíamos, a viver uma insegurança em relação ao futuro e presos numa paranóia do presente. Pensar que isto não terá repercussões na saúde mental das pessoas é sermos muito ingénuos.
O Pedro estava a ser seguido por um psicólogo e um psiquiatra em consultas on-line. Tinha uma vontade enorme de se tratar. Há medicamentos que têm como possível efeito secundário o suicidio. Se o diz, é porque em algumas pessoas causará esse efeito. Isto é um facto não é uma especulação.
A depressão tem várias formas de existir, pode ser mais ou menos “fulminante”, mais ou menos visível aos olhos dos outros, pode ser mais ou menos silenciosa. É importante falar de certas doenças sem associar estigmas. É importante percebermos que quem tem SIDA não é promíscuo, que quem tem diabetes não são os gulosos e que quem tem uma depressão não está na falência. Perceber que todos sem excepção estamos susceptíveis de um momento para o outro de ultrapassarmos o nosso limite, porque ninguém sabe qual é o seu gatilho.
A depressão é a principal causa de incapacidade em todo o mundo. Para quem está do lado de fora por vezes não consegue perceber, para quem sente por dentro por vezes é difícil de explicar. O que falta, é falar sobre isto. Sem tabus."
Anna Westerlund
Eu também vi
Sobre a verdadeira resiliência
"Só precisamos de ter Fé uma hora de cada vez, um minuto de cada vez. E depois é só continuar, a cada minuto, a cada segundo. E às vezes descansar e deixar cair. Sem espalhar." - Ela disse-me isto e eu, em tempo de fugir aos abraços, só me apetecia abraçá-la muito.
Sempre admirei pessoas fortes e cheias de luz. Dessas que apesar da própria dor, carregam o sol na algibeira, e iluminam e aquecem por onde passam. Partilham o sol da alma como uma coisa que nunca se gasta. Com serenidade e muita força espiritual.
Ver a cidade assim
Vencida, silenciosa, quieta.
Atravessar uma rua inteira sem avistar viva alma. Circular sozinha num autocarro. Cruzar só com sem abrigo, e perceber que são tantos. Deparar-me com a grande ironia de que são eles de facto, os únicos donos de todas as ruas.
Obrigado a todos os portugueses
Aos que ficaram em casa e aos que usam máscara.
Mas também - e sobretudo - a todos aqueles que na manhã do dia de hoje saíram de casa para comprar o pão, para comprar o jornal, para tomar um café, para fazer um brunch.
Pessoas
Ontem nos supermercados voltou a pairar no ar um certo caos. Reparei com espanto que as prateleiras do papel higiénico voltaram a ficar despidas, e não, não é de todo normal. Qual é o problema se acabar o papel higiénico? Confesso que tenho alguma dificuldade em perceber este contágio estilo colmeia. Se faltar o papel higiénico a gente lava-se. O papel higiénico não se come!
Adenda ao post anterior
Em meio destes tempos revoltos, tu evoluis. Cresces saudável e feliz. Depois de um dia inteiro longe uma da outra, à noitinha quando te deixamos gatinhar pela casa, soltas uns risos em modo de gritinhos de pura felicidade, suponho que por estares em casa, comigo e com o pai. Pareces um bichinho selvagem filha, de tão pura e genuína que é a expressão da tua alegria.
És tu que nos salvas, todos os dias.
Minha bebé
Um dia vou contar-te. Uma e outra vez, como faz a tua avó há anos quando me conta sobre a guerra em Angola, ou como faz o teu avô quando recorda alguma vivência do Ultramar, ou como fez o Gabriel Garcia Márquez na sua autobiografia Vivir para contarla, ao descrever para milhões de leitores a dureza dos embates políticos na sua Colômbia querida. A guerra há-de sempre marcar o Homem, esteja ele onde estiver. Ainda esta semana via nas noticias a monstruosidade que se vive em Moçambique, ou a miséria inaceitável com que continua a sobreviver o povo angolano. Eu sou angolana filha; no meu país 65% da população não tem condições para fazer as necessidades fisiológicas dentro de casa.
Mas voltando atrás, ao principio. Vou contar-te sobre estes dias muitas vezes. E tu provavelmente vais achar-me chata, e se isso acontecer talvez seja bom sinal. Achei sempre histórias de outras vidas, de outras gentes, de outros mundos. Tão longe de mim que jamais me alcançariam desde os livros onde definitivamente moravam - pensava eu.
Hoje precisei de uma guia de trabalho para poder circular na rua. Ontem, na baixa da nossa cidade, a policia envolveu-se em confrontos com manifestantes desesperados com a situação que vivemos. Amanhã vai haver nova manifestação, chamada de A pão e água. Eu e o teu pai ainda não perdemos o emprego, mas a tristeza que sinto começa a contar-se em choros e já são três.
(...)
Reclamação da criança escondida em mim
Este ano, pelos vistos, não vamos ter árvore de Natal nem iluminação na baixa da cidade. Por causa dos dinheiros que é preciso poupar - agora mais do que nunca - e por causa das gentes teimosas que iam provocar os habituais ajuntamentos junto à árvore.
Eu tenho a dizer que já só nos faltava roubarem-nos também a alegria do Natal!
Pecados confessáveis
Vacina à vista
Apesar das muitas reticências, dos nossos medos justificados, pode muito bem ser o melhor presente de Natal de todos os tempos. Não é só uma vacina. É toda a esperança que ela carrega.
Foto tirada numa ruela no centro da cidade.
O que me impressionou, mais uma vez, foi perceber a quantidade de eleitores que ainda assim votaram no Trump. Foi sentir a forma mediática com que o mundo viveu estas eleições, de tal maneira que em alguns horários nobres quase ficou esquecido o assunto Covid19. É saber que o senhor em questão aceita donativos para ir fazer queixinhas, muito possivelmente porque não sabe perder. É assistir a tudo isto, em pleno século XXI.
Estado de emergência
Não há memória de dias tão cinzentos. Acredito que não seja fácil a posição dos decisores políticos, que por mais que se esforcem nunca vão conseguir agradar a gregos e troianos. Mesmo assim, aflige-me tanta falta de bom senso, tanta falta de visão. A tentar resolver o problema da pandemia, estão a alimentar uma ferida económica que começa a ter contornos de gangrena.
Vamos morrer menos do vírus. Mas vamos morrer mais de outras coisas, nomeadamente de fome e de tristeza.
(...)
Flash
Nos últimos tempos, todos os dias de manhã acordo decidida a multiplicar a energia em mim. Quase em modo de sobrevivência. Custa-me sair da cama, dói-me o buraco negro crescente no centro das minhas costas (uma dor nova que só me dói quando acordo), mas são segundos. Espreito a minha filha no quarto dela, e ligo o turbo. Tenho dias de viver num non stop das sete da manhã até perto da meia noite. E quando dou por ela não tive tempo para mim, para me sentar a tomar um café, ou para tomar um banho mais demorado cinco minutos. Mas voltando às manhãs e ás decisões, acho sempre que vou fazer melhor, que vou conseguir. Acho sempre que é uma fase normal e chego a confortar-me por saber que a maioria das mulheres, mães de crianças pequenas, passam por isto. Chego a elaborar uma lista mental de tarefas que hoje sim vou mesmo cumprir. Chego a jurar que vou roubar meia hora ao meu tempo, para mim. Mas inevitavelmente chega aquele momento do dia em que a minha vida feito baralho de cartas, começa a ruir. E eu fico triste, abatida por tanto cansaço, a aguentar uma tremenda sensação claustrofóbica por não conseguir sair da roda do rato.
Tenho feito um esforço titânico, mas não tem sido suficiente.
(...)
Novembro
Nunca foi um mês morno, no sentido de nem para a frente nem para trás. Foi sempre um mês de intensidade, de introspeção. Não é um mês triste mas é um mês de aprendizagens e valentias e algumas resultam da dor. É definitivamente o mês em que se instala aquele frio que sabe a Inverno e a Natal. É um mês de limpeza, de muitos ventos e muita chuva para resolver a folhagem vencida. Está á vista que será um mês determinante na forma como vai evoluir a pandemia e como a nível mundial os grandes decisores farão frente às adversidades de forma a conduzir os nossos destinos. Será certamente um mês de duro exercício financeiro para tantas famílias, de muita reflexão na hora de gastarmos, de importantes aprendizagens sobre o que afinal nos faz realmente falta e sobretudo, ao mesmo tempo, de percebermos o quão importante é manter o riso, o calor, a família, a mesa, a magia, a esperança, o Natal. É um mês em que temos mesmo que despertar para uma luta que cada um de nós trava sozinho.
Não obstante, este Novembro começou com alguns dias de muita luz generosa. Consegui tempo para abrir as janelas todas da casa, renovei ares e deixei entrar a energia única do Sol. Tem sido um tempo para limpar gavetas, para deixar espaços livres, para destralhar a casa e a alma. Se nos focarmos em cuidar uns dos outros, se nos dedicarmos ao detalhe em cada coisa que fizermos, este pode ser um tempo muito importante para que a próxima colheita de frutos espelhe uma recuperação surpreendente.
Tenho tentado acreditar que Novembro vai trazer coisas boas.
Só um desabafo
Confesso que isto da Covid19 me faz sentir, amiúde, emocionalmente instável. Tem dias que fico triste e à toa, isto de vivermos do trabalho para casa e de casa para o trabalho, mesmo para mim que sempre fui caseira, não é saudável. Avançamos sem discussão para sociedades autistas à força; no mínimo parece-me violento. Outros dias fico seriamente preocupada, quando vejo o estado anímico das minhas médicas afetado - e elas são de verdade profissionais de excelência. Mas alguém tem o direito de em nome de que doença seja, matar-lhes os sonhos e o profissionalismo que tanto lhes custou a alcançar? E elas importam e muito, sabem porquê? Porque quando por fim dermos cabo da saúde mental de quem nos cuida, começará uma inversão importante na nossa esperança média de vida. Algumas vezes fico só zangada, muito zangada. Sem encontrar lógica nenhuma em tudo o que está a acontecer. A Covid19 deveria ser encarada como uma gripe especial, com o reforço do devido cuidado com a população de maior risco, com o uso coletivo de máscara, com tudo o que estiver ao nosso alcance fazer, dentro de uma normalidade que não percebo em que momento se tornou tão facilmente descartável. Pouco se sabe sobre a doença mas os dados são reveladores ao indicar uma grande maioria de infetados assintomáticos. Porque estamos então a abandonar milhões de doentes com outras patologias tão ou mais graves, em nome da Covid19? Por causa de números importantes mas contáveis de internados, fechar em casa milhões de pessoas saudáveis? Matar literalmente milhões de negócios? Mas será que nos falta coragem para ver o que vem a seguir, quando nos mandarem de novo para a rua? Onde vamos arranjar emprego?
Ás vezes fecho os olhos e tudo isto me parece ainda uma grande alucinação. O mais grave é que não está a acontecer num país, está a acontecer no mundo inteiro.
(...)
Flash
"O meu pai partiu quatro ossos, só num abraço que me deu."
Continuam a existir dramas maiores do que esta nossa depressão comum por causa de tudo o que esta pandemia veio condicionar nas nossas vidas.
Continuamos a ter quase tudo, e a não saber quase nada.
Flash
Sobre as sombras.
Sobre estes tempos difíceis, inesperados, estranhos.
Sobre a dualidade, sobre as oportunidades, sobre a resiliência, sobre a cor da verdade.
Sobre manter a esperança. Sombras serão sempre uma questão de Sol.
Invernar cá dentro
Se eu pudesse ao menos fazer como as sementes, e dormir meses. Quietinha, sem ninguém dar por mim, sem ninguém esperar nada de mim, sem ninguém lembrar sequer que eu estivesse ali.
(...)
"Na qualidade de socióloga, Michéle Lamont argumentou recentemente que os indivíduos das sociedades neoliberais pós-colapso económico se voltaram para a crença "de que têm de olhar para dentro, em busca da força de vontade necessária para se erguerem pelos seus próprios meios e resistirem à vaga de declínio económico". Esta crença tem consequências sociológicas importantes: não implica apenas o perigo de esvaziar o eu do seu conteúdo comunitário e politico, substituindo-o por uma autoatenção narcisista; na medida em que convence as pessoas de que a via de saída dos seus problemas é essencialmente uma questão de esforço e resiliência pessoais."
Edgar Cabanas e Eva Illouz, in A ditadura da felicidade
Flash
Que saudades de mim pelas ruas a fotografar o nada. Nos últimos dias voltei a ter um olhar próprio sobre as coisas que me aparecem no caminho. Como se uma necessidade mais forte, mais aguçada, mais urgente, de me resgatar, estivesse a acontecer.
(...)
O bebé Rodrigo
Vi esta manhã nas noticias que está quase a cumprir um ano de vida. Foi por esta altura que há um ano atrás me senti muito triste e ansiosa. Faltavam três meses para cumprir a minha gravidez e alguns medos e incertezas dominavam o meu pensamento. Quando aconteceu o nascimento do Rodrigo, fiquei chocada. Esta manhã dei por mim com lágrimas ao pensar naquela mãe. Ela e tantas outras, com filhos dependentes por incapacidade, sem jamais vacilarem na força, na esperança e no amor. Há-de comover-me sempre; e impressionar-me.
Quase um silogismo
Sobre a C19:
Se o Boris apanhou , se o Bolsonaro apanhou, se o Trump apanhou;
Quais as chances de eu não apanhar?
Eu já fui uma pessoa mais resiliente
Sinto-me cansada. De tolerar os mesmos erros, de tropeçar em pequeninos do costume, de procurar uma curva para descansar dentro de um cubo rígido. São fases da vida. Mas desta vez nem sequer me apetece lutar contra este estado de alma. Apetece-me antes ouvir o meu corpo, o meu sentido mais apurado. Mesmo a grande capacidade humana que é a resiliência, deve ser em doses razoavelmente inteligentes, de forma a não passarmos de resilientes a seres amorfos.
(...)
Eu ri-me muito a sério, à gargalhada descontrolada como há muito tempo não me acontecia, no ultimo programa do Ricardo Araújo Pereira. Aquela do "acampamento de cheganos" merecia um prémio.
O que me preocupa é que algumas pessoas até com formação e conhecimento, põe a hipótese de apoiar o Chega. Nem que seja só para contrariar o actual governo, nem que seja só para que em nome da democracia possam ser assim um bocadinho fascistas, às vezes confusamente com laivos de anarquistas, naqueles dias em que só porque sim, vestem o fato anti sistema.
Podia sentar-me aqui agora a escrever sobre tudo o que não me agrada no actual governo. Para mim é indiscutível que o mais grave tem acontecido na área da Saúde. Sendo que é tão fácil apontar o dedo, desconfio que ficaria a manhã inteira a escrever.
Mas votar no Chega? Porra!
Não sei em que momento começamos a ficar tão acéfalos. A situação é tão séria que brincadeiras ou birras sobre o futuro da politica no nosso país, pode apenas agravar ainda mais o que quer que seja que nos espera.
Ontem, sentada num banco de igreja perto de mim, estava uma senhora idosa absorvida nas suas orações. Foi a primeira vez que vi alguém com duas máscaras postas, uma sobre a outra. Pode parecer um absurdo gigante, eu sei. Do mesmo modo que me parece um absurdo os aglomerados de miúdos pelas ruas sem guardar distância e sem usar máscara. E por favor não me digam que socialmente é muito difícil para os nossos jovens manterem determinado comportamento; difícil é passar fome, perder o emprego ou ver um familiar morrer.
Só daqui a muitos anos os livros de História ditarão quem foram os posicionados do lado da razão.
O expoente máximo do Amor
"Quando o meu pai chegava a casa corríamos todos para ele. Chegava quase sempre com um sorriso que se mantinha apesar do dia, dos problemas, do trânsito ou das chatices que tinha vivido. O meu pai gostava de chegar a casa. E isso, para nós, chegava. Ele gostava de nos ver, de nos abraçar, de nos fazer cócegas e principalmente de abraçar a minha mãe. O meu pai tocava piano fazendo caretas cómicas e também tocava guitarra abstraindo-se do frenesim típico de uma casa com nove filhos. O meu pai só lia o jornal ao fim do dia, sentado na cadeira que era só dele e apesar do barulho da televisão. Só nos mandava calar para ouvir o telejornal e só perdia as estribeiras com a política – muitas vezes, portanto. Também falava muito. Adorava falar, contar histórias e partilhar o que lhe tinha acontecido todos os dias. Nós eramos a sua casa, o seu mundo, a sua vida. Tive a sorte de crescer assim. Cresci com um pai que trazia amor para casa, boa disposição, emotividade, verdade e sabedoria. Um pai que tinha preocupação de dar e não de receber, que gostava de partilhar e que tinha a preocupação de nos ensinar os valores nos quais acreditava. Ele tinha urgência em partilhar todos os dias ao jantar aquilo que achava importante os filhos aprenderem para um dia escolherem ser aquilo que quisessem. O meu pai não me perguntava pelas notas, não sabia as festas que eu tinha, não opinava sobre as minhas roupas e não me questionava sobre os meus estados de alma. Ao pé do meu pai eu era livre de ser quem era, de estar bem ou mal disposta, sem julgamentos, pressões ou exigências. O meu pai não me exigia resultados, pedia-me esforço, que amasse a vida e que reconhecesse o privilégio da família que tinha. Em troca, tinha-o a ele. Generoso, justo e alegre. O meu pai chorava a rir. Caiam-lhe lágrimas pela cara abaixo como só acontece com quem é genuinamente feliz apenas pela graça da vida. O meu pai era alegre, era um exemplo de coerência, de trabalho e de grandeza. Também era intolerante. Sim, era muito intolerante: não admitia desonestidades, não admitia injúrias e odiava o sarcasmo. Era genuinamente bom. Não via maldade nos outros (com honrosas excepções em alguns políticos) e facilmente cedia para evitar o conflito, o ódio e a agressividade. Só tinha orgulho dos seus valores e da sua família, em tudo o resto era humilde. O meu pai nunca conheceu os meus professores, também não me ensinou a andar de bicicleta, não me levava ao médico e não me lembro de me ter lido histórias à noite. Lembro-me que me pedia muitas vezes a opinião para me conhecer melhor e lembro-me que as raras vezes que se zangou comigo foi por coisas sérias que têm a ver com a formação de carácter. O meu pai era o suporte da minha mãe e os dois eram o nosso suporte. Sei que os pais de hoje são diferentes do meu pai. Aos pais de hoje pede-se que vão à escola às festas dos filhos, que mudem as fraldas dos bebés, que lavem a loiça, que saibam escolher as roupas das filhas e que cozinhem o jantar. Os pais de hoje têm de partilhar funções que dantes eram da exclusividade das mães. O mundo mudou e nessa mudança é obrigatório que os pais também mudem. Não o fazerem é mais do que absurdo, é injusto. Mas o papel fundamental dos pais nem é esse, essa partilha de funções são uma consequência normal de uma realidade diferente. O papel fundamental do pai continua a ser transmitir amor e alegria aos filhos. Com o meu pai não aprendi a andar de bicicleta mas aprendi que numa casa onde se ri alto, onde o pai chora a rir e onde os filhos sabem que é lá que o pai gosta de chegar todos os dias, vive uma família feliz."
No i de um sábado de 2015
Partilhado pela Inês Teotónio Pereira
E se fosse COVID?
A Maria fez o teste esta semana. O resultado foi negativo.
Serviu para refletir um pouco sobre as possibilidades. Sobretudo ganhei alguma consciência de que um positivo cá em casa é um cenário possível, real e até normal. Quando acontecer, se acontecer, vamos tentar enfrentar com naturalidade.
Quero continuar a preocupar-me com esta questão de forma responsável, não quero que se torne o centro da nossa forma de ser e de estar na vida.
Sobre os sonhos e a precisão do inconsciente
A noite passada tive um sonho carregado de significado. Um sonho com nudez, elevadores e cruzetas vazias:
"Se você sonha que está nu, você está deixando para trás tudo o que interfere de forma nefasta com a sua vida. Uma nova mulher está a surgir."
"Sonhar com elevador significa que é necessário ter insistência e perseverança para alcançar a vitória. Um elevador parado é sinal de doença em família."
"Sonhar com cruzetas ocorre com maior frequência quando quem sonha está a sentir-se sobrecarregado. Todo esse sobrepeso demonstra que você ainda não consegue gerir seu tempo, seu espaço, suas ideias, sonhos, desejos. Sonhar com cruzetas vazias é uma verdadeira advertência para que você passe a ser uma pessoa organizada. É essencial saber gerir o seu tempo e as suas atividades para alcançar qualidade de vida."
Fonte: Web
Sobre a COVID-19 e a imbecilidade elevada ao expoente máximo
Esta semana vi em diferentes pontos da cidade, adolescentes a circularem em grupos grandes, sem guardarem distância, todos eles sem máscara. Numa atitude perfeitamente descontraída, que eu senti como provocatória. Os pais vão trabalhar de máscara - eu diria porque são obrigados - e os miúdos aproveitam para conviver cá fora tudo o que não podem conviver dentro dos colégios. Dentro de muito pouco tempo teremos o resultado. Para os que acreditam mesmo no exemplo da Suécia, estes miúdos serão uma espécie de salvadores da pátria. Cof cof.
(...)
Foi noticiado hoje que no principal hospital do norte, por causa da pandemia, espera-se nove meses para se fazer uma endoscopia. Querem tanto salvar-nos da COVID-19 que nos deixam morrer à toa de todas as outras doenças.
(...)
De resto cá em casa estivemos todos constipados e percebemos como se transformou num constrangimento espirrar ou tossir num local publico. Logo logo há-de passar-nos a frescura, que o Inverno até se ri desta malta toda.
(...)
Quem mais se protege, está infetado. E no meu local de trabalho aconteceu mesmo, de alguém pedir a alguém a máscara em uso emprestada, para atender um cliente.
(...)
Sobre essa fase da vida
Em que percebemos a urgência de praticar a mudança. Nas diferentes esferas. Como quando limpamos a casa e abrimos as janelas de par em par para deixar entrar o sol. Em que não temos mais paciência nem queremos ter, para aquela gente adjetivada com tudo o que contraria a nossa forma de ser e de estar.
Em que ficamos mais velhos e nos damos conta disso com uma perceção tão acutilante que quase nos apercebemos da transformação celular no instante em que ocorre.
Ando a entristecer, e a pensar outra vez demasiado no mundo, nas pessoas, nas coisas que acontecem como se às vezes ocorressem dentro de mim.
A Vida é muito mais do que um ensaio. Ás vezes somos palco, ás vezes somos plateia. Entre uma coisa e outra, precisamos de estar bem, de nos sentirmos no caminho. E é isso que me falta.
A Vida já me deu. Agora está a pedir-me. E eu não consigo responder, sinto-me presa a esta cadeira de rodas psicológica em que me sentei faz tempo.
Mãe aos 42
Não tenho grande tempo para coisa nenhuma. Alguns dias nem o pequeno almoço consigo tomar. Os banhos - os meus - são a correr, como quem apaga um fogo. Cortar o cabelo? Mãos à obra, pois! No outro dia achei que conseguia, que podia, que tinha direito, a marcar uma massagem. Surpresa? Desmarquei duas vezes e perdi o animo para voltar a marcar o que quer que seja. A casa fica um caos de um dia para o outro. As idas para o infantário têm sido motivo de picos de stress que me deixam com mal estar o resto do dia. Opto por ficar com a Maria em casa nas minhas folgas mas confesso que por vezes fico ainda mais cansada do que se fosse trabalhar. Esqueço-me de tomar a pilula mas pelo menos nisso não há stress pois nem animo sobra para correr riscos de arranjar bebé. Não respondo a mensagens nem chamadas das amigas mais próximas, nunca tenho tempo. Fazer uma caminhada a pé pela cidade? Não sei mais o que isso é, vivo metida em bolts a aturar motoristas rebeldes sem máscara. Não raras vezes a sentir-me muito pequenina, a querer só um par de horas para chorar no colo da minha mãe sem ninguém me ver.
Sinto-me envelhecer por dentro. A Maria e o Luís são o meu Sol que nunca se apaga. Mas que fase esta da vida, em que um descontentamento geral me impede até de ser melhor para eles.
(...)
Sobre o trauma
Trauma significa ferida.
Quem não as tem. Às vezes só sabemos que ainda temos, vinte anos depois.
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Sobre a espiral dos dias, a nova eu desperta muitas vezes às seis horas da manhã. E só esse instante do dia, me parece ainda limpo e saudável. O silêncio, a alvorada, a quietude ímpar que me sabe tão bem sentir. Eu calma, quieta comigo, a saber respirar. Até que olho para o relógio e numa correria, desato a errar. Acabo todos os dias profundamente exausta. E ás vezes, triste por ser assim.
A nova eu almeja dias de chuva e frio, porque desconhece ainda quão dura pode chegar a ser a nova realidade. Vai ser uma violência enfrentar o Inverno lá fora com uma bebé. Valei-me todos os Santos.
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Sobre o teu pai
Conseguimos, finalmente, deixar-te dormir sozinha no teu quarto.
Só o teu pai não conseguiu dormir. Foi espreitar-te de hora a hora.
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Coisas muito boas desta semana
Oito meses da Maria nas nossas vidas.
Temos o primeiro dentinho dela cá fora.
Já diz mamã.
O mundo está mesmo estranho
Sem meios termos. Divide-se entre o que lutam contra a corrente e os que vão com ela. Nos que não têm medo de nada, e nos que têm medo de tudo.
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O que mais me custa
Deixar de dormir com a Maria ao meu lado, passá-la para o quarto dela.
Já tentamos, mas não fomos capazes.
Num mundo em que quase tudo e todos giram à volta do dinheiro, em que megalomanias, invejas e corações pequeninos se atrapalham com nada, eu acredito mais e mais nos que criam, nos que dão, nos que se dão. Nos que continuam a importar-se, nos que acrescentam graça. Nos que para alem de serem assim, persistem em serem assim.
Aniversário da minha irmã
E nós tão longe. Sinto falta deles. Sinto a angustia de pensar quando voltaremos a estar os cinco juntos, a mãe e nós. Sinto tristeza e impotência por não poder ajudar a resolver nada. Sinto falta dos abraços. Tantas brigas inúteis, por vivermos como se nos fosse dado o tempo todo, para sempre.
Sobre a minha mania de brincar com coisas sérias
Peguei no Livro das Respostas e perguntei se no próximo ano a espécie humana consegue dar a volta e estabilizar perante a pandemia e todas as crises associadas. A resposta deixou-me com um nó na garganta. Bem no meio de uma página em branco, duas letras apenas:
Nem pensar.
Sem dar por ela
Sem dietas nem ginástica, só stress a rodos e bastante trabalhinho que nunca fez mal a ninguém, faltam-me apenas 6kg para voltar ao peso que tinha quando engravidei.
2020
Um dia a mãe vai contar-te que nasceste num ano muito difícil. Num ano de grandes incertezas e preocupações. Um dos teus avós adoeceu. Os teus tios vivem já incertezas maiores em relação ao emprego. O mundo rebola ribanceira abaixo e ninguém sabe onde vai parar.
Oxalá o Amor da mãe e do pai te possam salvaguardar do que vier.
Sobre Setembro
Gostava de pegar no meu rapaz e na nossa miúda e fugirmos para algum lugar cheio da luz mais bonita do ano - a de Setembro. Mas por várias razões, a sensatez não nos permite.
A vida passa mesmo a correr, haveremos de encontrar forma de compensar este Verão tão atípico e quase imperceptível para nós.
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A Maria e o infantário
Não me custou deixá-la lá, acho que somos ambas bastante independentes nesse sentido. As poucas horas de habituação na primeira semana correram lindamente. O crash aconteceu quando a deixei lá ficar o primeiro dia inteiro. Nunca me hei-de esquecer do olhar dela quando a fui buscar. Doeu-me tanto, senti o meu coração partir-se em cacos irrecuperáveis.
Mas faz parte. Temos que passar por isto.
Um destes dias passei a pé na baixa da cidade, e por acaso nesse dia, nessa hora, estava novamente cheia de gente. Quase como nos bons velhos tempos, não fosse olhar para aquele cenário e pensar no perigo que se esconde á espreita quando nos misturamos assim.
Se não fosse o absurdo de ver lojistas de viseira posta (sem máscara) a atenderem o cliente com a viseira levantada, se não fosse o cumulo de ter visto nos primeiros tímidos dois dias de chuva gente a correr de cabeça molhada e sandalinha no pé, se não fosse ter que circular em autocarros e perceber o quanto a gente já pouco se importa com o assunto, se não fosse ter sentido nos últimos dias um claro aumento da mendicidade nas ruas, eu diria que esta história da pandemia surgiu só mesmo para nos tirar o sono uma boa meia dúzia de dias.
O que mais me aborrece, o que realmente me consome, é essa mão cheia de gente que faz uma apologia contra o uso de máscara, numa quase atitude de megalomania. Ás vezes acho que a raça humana, enquanto raça em desenvolvimento, merece o que está a acontecer.
Como quando interrompemos um carreiro de formigas, para as afastar. Se não tomarmos mais precauções, logo logo elas terão refeito a rota. É claramente a teimosia que nos leva. Só não sei se com atraso, se com adianto.
(...)
Uma gravidez, um pós parto, os primeiros tempos da criança, podem bem ser uma avalanche na relação. São as hormonas que ainda tentam ressuscitar, é uma boa dose de incompreensão que não dá para compreender, é o corpo a nunca mais ir ao sitio e os outros corpos todos a rondar, é o sal e a pimenta a não se ajustarem à dose, é a prova de fogo ao desejo maior entre um homem e uma mulher.
É ao mesmo tempo a grande oportunidade de o Amor virar bandeira. De a casinha da gente virar bunker. De conhecermos realmente quem escolhemos para nos acompanhar.
Se houver Amor, o resto vem, o resto volta.
E Agosto vai rolando
A minha filha completou sete meses, e a cada segundo o meu coração ganha dimensões novas para caber cá dentro tudo o que sinto por Ela. Ela, a minha Pessoa preferida no mundo inteiro.
Trabalhei seis dias seguidos, com considerável intensidade. Uma espécie de prova de fogo perante os dez quilos que ainda quero perder. Trabalhar faz bem. Faz o tempo passar, sana o pensamento, devolve-nos a uma certa orientação. Por mais cansada que me sinta, trabalhar faz bem.
Continuo a nem sempre saber proteger-me das energias alheias. Continuo a ficar muito sentida com coisas pequenas, com coisas passadas. Continuo a querer fazer o mundo dos outros mais fácil, mesmo quando sei que o meu vai ficar mais difícil. Continuo a esconder quando fico profundamente triste ou decepcionada.
Tenho-me lembrado de coisas parvas estes dias. Encontrei uma conhecida no supermercado, mãe recente de gémeas. Sobre a médica lhe ter falado em depressão pós-parto, dizia-me em tom tão despachado Eu?! Não tenho sequer tempo para essas coisas! Como se fosse imune, como se fosse superior, bem superior, a toda essa cambada de mulheres caprichosas e desocupadas. Talvez eu seja uma delas.
Chegaram os primeiros abençoados dias de chuva. Tão bom. Como banhar-me por dentro.
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Sobre o papel principal
Tenho feito bem as coisas com a Maria.
Mesmo assim, todos os dias me pergunto se estou a saber ser uma boa mãe. Se posso fazer algo diferente com ela, algo melhor. Acho que me vou questionar sobre isso o resto da minha vida.
Bom dia Vida
O mundo segue cheio de paradoxos. Torna-se cansativo o desinteressante que nos estamos a tornar enquanto raça, sempre envoltos nas mesmas teias emaranhadas, sempre a tropeçar nas mesmas pedras, sempre com os mesmos dilemas tão pequeninos num mundo tão vastamente grande.
É isto de sabermos que uma carga tão perigosa fica simplesmente esquecida num porto durante sete anos, até que meio milhão de pessoas fica sem casa por causa disso. Torna-se insuportável a quantidade de gente incompetente com cargos de responsabilidade neste mundo.
É absolutamente desgastante que cada vez mais por cada pessoa encantadora que encontremos no caminho, tenhamos que primeiro suportar uma centena de pessoas deselegantes e despreocupadas.
É Verão, Agosto, férias, quando eu era miúda dizia-se e sentia-se férias grandes. Não sinto nada disso faz muito tempo, ando demasiado cansada para farejar dias a saber a férias.
Peço-te Vida, força interior para ultrapassar este Agosto; só isso.
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Fazer o bem faz bem
Faz mesmo. Sobretudo quando fazemos o bem a quem amamos. Quando sabemos que estamos a cuidar dos nossos pais, dos nossos avós, dos nossos sogros. Dessa gente que não, não é eterna.
Estes dias vamos ter a minha mãe cá por casa. Não estávamos juntas desde que nasceu a minha filha, há quase sete meses. É certo que o mar entre nós as duas é apenas um copo mal cheio de água, mas tê-la tão perto, sentir-lhe o calor da curva do pescoço quando a abraço, sentir-lhe o cheiro tão dela já misturado com o de fumadora crónica (não vale a pena, só assim reconheço a minha mãe), ouvi-la durante horas falar sobre coisas que às vezes nem me interessam muito - mas ouvi-la -, sentir-lhe os passos às seis da manhã, tudo isso junto dá-me chão, dá-me casa.
Está tão assustadoramente magra, a ficar tão velhinha a minha mãe.. A íris dela perdeu vitalidade, está a dar-se ao luxo de fazer coisas que fazem as crianças, como birras, amuos ou preguicite. É chata e descarada tudo aquilo a que a vida por estatuto lhe dá o direito.
Eu sinto mãe, que chegamos ao ponto do caminho em que o tempo nos está a ultrapassar na corrida. Dou comigo a pensar que não vai ser sempre assim. Ando muito cansada, mas vou ser forte o suficiente para fazer contigo durante uns dias o que faço a tempo inteiro com a minha filha: dar-te muito colinho e encher-te de mimos.
O Amor é para se dar no tempo certo.
Bom dia Vida
Das coisas bonitas que encontro na blogosfera
Todos os dias 17
Faço a minha lista de gratidão. Neste dia quero parar dois minutos e em modo de oração agradecer, pelas coisas grandes e pelas coisas pequenas.
Entre outros agradecimentos pessoais, este mês um especial Obrigado ao senhor Ennio Morricone, por todas as belas memórias que nos deixou como herança.