Contas do meu rosário

Ando tão sensível, que fico parada na minha varanda a olhar lá longe o céu e só porque não passa nenhum avião, choro.
Ando muito muito cansada. E a vida lá sempre a puxar por mim; a Vida essa minha melhor amiga sempre tão exigente. Talvez precise só de umas boas vitaminas, de me organizar para ter consideráveis momentos de descanso, de chorar tudo e começar vazia e serena como os dias que nascem limpos, cheios de silêncio e sol. No fundo está tudo certo, é só sair desta saia justa e fazer a máquina rolar de novo.
A Maria ficou ontem, pela primeira vez, sem os pais. Algumas horas com os avós, e portou-se lindamente a minha bebé. Confesso que quando a deixei e sai para uma reunião de trabalho, não fui sufocada nem a choramingar. Senti uma preocupação normal, mas ao mesmo tempo uma paz boa por a vida estar a acontecer. Fiz a minha primeira caminhada longa sozinha, senti a cidade. Um ano depois, percebi no regresso ao meu local de trabalho que não perdi capacidades; sem falsa modéstia percebi que fiz falta. Nos pequenos pormenores, nos detalhes, na organização. Há tanto a fazer ali, e não parece. E o que eu mais gosto em mim, mesmo, é deste olhar mais dentro: na vida, no trabalho, nos dias, nas pessoas. Ter esta certeza desse valor mantém-me forte, seja qual for a actividade que esteja a desenvolver. Já se encontram chefias que privilegiam esta característica a nível profissional. Sinais bons dos novos tempos, em que até a intuição começa a valer mais.
De resto preciso de muitas caminhadas. De me perder sozinha sem horas no jardim botânico, de caminhar junto ao mar revolto bem cedo, de bater perna pelo quarteirão das artes e descobrir o novo, de entrar nas minhas lojas preferidas, de comprar flores e ervas aromáticas para oferecer, de fazer tudo isto só para respirar melhor, para ser ainda mais feliz.
Apesar do cansaço quase doentio que ando a sentir, desta tristeza fininha sem razão de ser, acredito que o segredo consiste em estar apenas disponível para a Vida. Se não tivermos forças para mais, ficarmos só disponíveis. De braços abertos dia após dia, numa espera activa, até surgirem as primeiras generosas gotas de algum sumo. Porque somos mesmo como as estações; a Primavera há-de sempre chegar, por mais rigoroso que seja o Inverno. É só ter paciência e acreditar, dar o tempo certo às coisas da vida.
Numa retrospectiva, comigo tem sido assim: a Vida nunca parou de me dar. Mesmo quando me tirou.

Sem comentários:

Enviar um comentário