Minha bebé

Um dia vou contar-te. Uma e outra vez, como faz a tua avó há anos quando me conta sobre a guerra em Angola, ou como faz o teu avô quando recorda alguma vivência do Ultramar, ou como fez o Gabriel Garcia Márquez na sua autobiografia Vivir para contarla, ao descrever para milhões de leitores a dureza dos embates políticos na sua Colômbia querida. A guerra há-de sempre marcar o Homem, esteja ele onde estiver. Ainda esta semana via nas noticias a monstruosidade que se vive em Moçambique, ou a miséria inaceitável com que continua a sobreviver o povo angolano. Eu sou angolana filha; no meu país 65% da população não tem condições para fazer as necessidades fisiológicas dentro de casa. 

Mas voltando atrás, ao principio. Vou contar-te sobre estes dias muitas vezes. E tu provavelmente vais achar-me chata, e se isso acontecer talvez seja bom sinal. Achei sempre histórias de outras vidas, de outras gentes, de outros mundos. Tão longe de mim que jamais me alcançariam desde os livros onde definitivamente moravam - pensava eu.

Hoje precisei de uma guia de trabalho para poder circular na rua. Ontem, na baixa da nossa cidade, a policia envolveu-se em confrontos com manifestantes desesperados com a situação que vivemos. Amanhã vai haver nova manifestação, chamada de A pão e água. Eu e o teu pai ainda não perdemos o emprego, mas a tristeza que sinto começa a contar-se em choros e já são três. 

(...)

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