Está tudo bem

Percebi sem dramas - e com espantosa aceitação - que nunca vou fazer o Doutoramento com que um dia sonhei, agora que estamos a pagar o Colégio da Mary. Foi algo que quis muito, sempre me senti talhada para estudar, sempre gostei. Mas a vida é isso mesmo, um constante redefinir de prioridades. E para que não haja duvidas, escolher ter a minha filha num Colégio privado, apenas faz de mim mesma a minha maior prioridade. O mais importante para nós é que ela esteja feliz. Essa é a primeira tarefa na qual quero ser bem sucedida.

E em três anos no Colégio, a Maria tem algo que eu só tenho memória de ter tido lá pelo nono ano: o meu grupo de amigos mais chegados. Quem sabe a Alice, a Inês, a Amélia e o Wallace sejam os amigos-irmãos que ela não tem. Quem sabe estas sejam as sementes necessárias para eu sentir um dia que parto e não a deixo sozinha. Se continuarem juntos até ao fim do liceu, quanta vida têm para partilhar! Poderão construir uma identificação muito coesa. Bem sei que às vezes irmãos que viveram a vida inteira juntos, não conseguem isso. E bem sei também que às vezes, de repente, conhecemos alguém que parece que vem junto connosco de muitas vidas atrás. Mas isso nunca é a tendência. A tendência é alimentar os laços para serem mais fortes, partilhar para crescer junto, confiar tanto ao ponto de um dia se poder conversar em silêncio. Gostava que a Maria conquistasse isso para ela e como pais sem qualquer garantia do Universo, procuramos não falhar no nosso papel de facilitadores. Lembro-me que me marcou muito sempre que mudei de escola e de certa forma, de amigos. Uma vez, é uma experiência. Várias vezes, é uma violência. A Maria cresce numa casa onde existe uma igreja, e em frente há um jardim cheio de camélias e acácias lilases. Só tem quatro, e já está com estes meninos há três. Muito mais tempo juntos do que primos e até irmãos.

São tolices, tolices precoces. Mas uma mãe pensa em tudo.

O meu retrato mais bonito


Foi feito pela minha filha Maria, aos quatro anos. É uma preta triste e forte. Bucólica, desleixada, iluminada por dentro. Uma mãe alerta em vésperas de lágrimas, pouco alegre, cheia de amor. Lábios grossos, nariz e olhos marcados. Flores mortas, mas flores.
Suspeito que o pai dela acha este retrato terrivelmente feio, porque eu quis colocar na parede junto aos nossos retratos de família e ele fez marcada resistência.
É a coisa mais bonita que eu já ganhei. Eu vista pelos olhos da minha Maria, eu a sentir uma coisa tão simples e rara: que pela primeira vez alguém me consegue ver exactamente como eu sou.

Natal

Querida mãe,

Estás demasiado longe e se calhar se estivesses perto continuarias longe. Mas por ti, um dia destes quando acordei para ir trabalhar, às cinco horas negras da madrugada vi luzes de um avião brilhar no céu breu, e fiquei pequenina. Aquelas luzinhas pouco definidas, e o avião a lembrar-me de ti, foram Natal.

Os dias mais bonitos do ano



Assim gelados. De um generoso céu azul. Dias cheios de Luz, num mês em que quase todo o mundo se prepara para tentar ser melhor. Só um bocadinho, só naquela noite. É muito pouco, mas é muito bom sermos capazes desse bocadinho. Porque o mundo precisa dessa energia colectiva, dessa força brutal de estarmos quase todos em sintonia em Amor e Esperança. Ainda que por tão pouco tempo.

Nós por cá

Árvore de Natal feita e sim é a mais bonita do mundo para mim. Nada de cor de rosa por inteiro, ou cheia de doces ou guarda-chuvas, ou toda azul, que nós gostamos muito da tradição. É mesmo uma árvore de plástico bem velhinha (há-de ser para a Maria um dia, se ela quiser), cheia das luzinhas e das cores que eu mais gosto no Natal: vermelho e verde. Tem presentes, quase todos para a Maria. Nenhuma loucura, ela é feliz com coisas pequenas e o meu grande desafio é que ela cresça assim.
Um presépio bem simples mas com muito significado.
E já assisti a uma missa de Natal! Foi muito bonita. Desde que saí da missa sinto-me mais esclarecida. A mensagem é que o Menino Jesus que celebramos, nos pede Alegria, Amor e Esperança. O mundo está vazio de alegria e esperança. Não são só palavras, é um enorme e sério desafio para cada um de nós: praticar todos os dias de 2025 estas três sementinhas que podem salvar o mundo.

Sei que sou mais pobre em Alegria, é nela que vou procurar investir mais.

Dezembro a todo o vapor

O meu Amor fez anos: 47.

Gostava que todos os homens bons do mundo fossem tão amados como é o meu Luís. Ele é o meu melhor amigo, o meu companheiro, um amante maravilhoso, teimosinho como uma mula e uma espécie de tio patinhas em relação ao dinheiro, mas de resto é gato, é divertido, é meigo, é só assim o melhor pai que conheci na minha vida inteira e digo-vos que só essa característica já me faz a folha por completo. Ele é a minha identidade por dentro, sinto que lhe pertenço para sempre. Não somos casados, somos namorados. Doa a quem doer.

A minha mãe também fez anos: 64.

Ela é a minha única referência, antes da chegada do Luís. Zangamo-nos algumas vezes, tem um feitio difícil e eu também. Mas sei com a certeza absoluta que em alguns momentos muito particulares, ninguém me amou como ela. É bonita, é dramática, é corajosa. É única. Descobriu agora que o tetravô era Conde.

(...)

A Maria acorda todos os dias com a mesma pergunta: é hoje o Natal? Respondo que não e avança para a pergunta seguinte: é amanhã que faço anos? Significa que vou ouvir uma pergunta mais 7 dias e a outra mais 32 dias. E é assim que começamos a crescer familiarizados com a ansiedade, essa tramada que faz tanta gente adoecer a sério.

Conversas comigo mesma

Tenho muitas saudades do Nelo, muitas muitas. E tenho o coração suspenso pela Cristina.

As nossas pessoas nunca deviam ir embora de nós. Quem diz que não vão, mente ou não sabe. O que fica são só as memórias e as saudades. Sempre que passo em frente ao Hospital aquele muro onde estivemos sentados à conversa um dia, faz-me estremecer. É como se ao partir alguém nosso, a nossa própria vida fragmentasse. Há um antes e um depois; e nunca mais nada será igual.

Ele ainda cá estava em Dezembro, partiu logo a seguir. Ela ainda cá está.

Há tanto sofrimento, tanta gente doente, tão doente que não consegue sequer urinar ou defecar como coisa banal. Tanta gente que luta e brilha mesmo quando já está desenganada pelos médicos. É por isso que sei que peco todas as vezes que me permito ser pequenina e fazer birras e amuar com a vida.

Ser alegre alegre, não é da minha natureza. Mas eu devo procurar estar bem. Porque Deus deu-me a benção de poder desfrutar o hoje, sem dores, com oportunidades. Todos os dias ao acordar devemos escolher a alegria; toda a que formos capazes de sentir, de viver e partilhar.

Porque vai chegar a nossa vez.

Frio

Finalmente.

Com os dias gelados chegou a sensação de normalidade. Isto sim é Dezembro, o mês do Natal. Hoje ouvi uma senhora de muita idade, com artroses nas mãos e pele muito enrugada, de lenço na cabeça como ainda se usa nas aldeias de Portugal, dizer que fazem falta as geadas. Tudo chega mais tarde mas se a terra e as plantas e os animais se adaptam, nós também seremos capazes.

Amanheci com vontade de mudar a vida: é o reset de mudança de ano. O certo é que passei toda a manhã a tratar das plantas, a mover os vasos de lugar, a fazer mudas, a podar. A desfazer-me do velho e abrir portas ao novo. Comprei uma fita vermelha para a nossa arvore de Natal. E um pai natal íman para a porta do frigorifico, quero olhar para ele todo o ano: I still believe in Santa.

Dezembro

 





Feito de outras coisas também
De amor
De pocinhas de água
De Outono
De luzes
De risos de alegria
De caminhos
De pássaros que ficaram
De Fé

Modo salvamento


Nos últimos dias sinto vertigens. O tempo não chega para nada, ainda menos do que o dinheiro. Quanto menos capacidades físicas sinto ter, mais preciso de correr. Faz-me confusão a loucura do transito a anunciar o Natal, as filas de gente em todo o lado. Os ricos em modo zen a gritar aos quatro ventos que o mais cool é não oferecer presentes, os pobres cada vez mais consumistas e ninguém é tão rico que os consiga compreender. Os jantares de Natal, que haja pachorra! Terrível não encontrar com quem manter uma conversa interessante, alguém que fale e escute. Dezembro desgasta-me profundamente mas já não é só isso. Não sei como recuperar a alegria, estou demasiado cansada para qualquer coisa. Olho para o Luís e para a Maria, e tenho tudo. Mas falto eu. 

(...)

Esta manhã ouvi sem querer esta musica tão brega, mas que diz tudo.

46

Meu aniversário.

Saí dos 45 a lidar com o fim da vida. A morte será sempre um mistério até o derradeiro e inevitável frente a frente, em que reis e plebeus serão todos meninos pequeninos e indefesos. Importa apenas a bagagem interior; e vamos sozinhos mesmo que em vida tenhamos sido acompanhados por uma multidão, tão sozinhos que assusta.

Entrei nos 46 com um telefonema cheio de amor e magia. A voz limpa e pura da minha filha: "Mamã parabéns!"

Cheguei a casa exausta, depois de um turno duro, e tinha os meus dois Amores à minha espera com flores. Acho que tenho o melhor na vida.

(...)

Lá fora o mundo está cada vez mais estranho. Li hoje declarações de um general das forças armadas de um país, a dizer que já começou a terceira guerra mundial. Assustador. Triste. E pensar que nos preocupávamos tanto com o Trump e foi precisamente o Biden a soprar o baralho de cartas em castelo. Já não há os bons e os maus no mundo, há uma camuflagem perigosa que nos induz cada vez mais em erro. E há o futuro das nossas crianças, e o medo - confesso - de não sermos suficientemente fortes para as sabermos e podermos proteger.

Achei um piadão à Aida. Furiosa com colegas que destilam veneno e existem para melgar os outros, deu um suspiro do fundo dos figados e de olhos a revirar e mãos estendidas no ar, disse num berro em tom de desabafo:
"Há pessoas neste mundo que deveriam ser investigadas pela NASA!"

Deviam mesmo. Ainda não encontrei forma de surfar estas ondas sem ficar exausta. De maneiras que estou farta - fartinha - do meu emprego. Outra vez. Às vezes fico profundamente triste. Vendemos a nossa Paz por dinheiro; aguentamos o que nos vai matando todos os dias um bocadinho. Somos uns necessitados, uns escravos do poucochinho. E o mundo está tão torto que não acredito muito em mudanças para melhor. É a qualidade do ser humano, que está como a do ar que respiramos, cada vez mais tóxico. Anda tudo aos trambolhões e a espetar a faca no outro. Mas depois é Natal e graças a Deus que temos um emprego. Olé.

Vontade de hibernar

Ás vezes, sozinha comigo mesma, tenho medo. Por causa de um fundo muito fundo, triste e vazio, que visito sem perceber. Quando dou por ela já sinto o frio na alma. Acompanhado de um cansaço enorme, que me obriga a arrastar pelos dias e a sobreviver às escondidas.

Nesta altura do ano, custa mais um bocadinho. Meu aniversário, Natal, viragem do ano. Fico sem forças para disfarçar a tempo inteiro a minha falta de fôlego para tantos sorrisos.

Não me apetece nada, não me apetece ninguém, de todas as tantas coisas que um dia quis muito e que sonhei tanto. É só viver os dias todos uns atrás dos outros, iguaizinhos, a rezar muito para que nada falhe.

(...)

Bom dia Vida

Sobre a Vida



Sobre os milagres, sobre a sorte, sobre Deus, sobre a falta de ar e a falta de chão, sobre nada ser nosso, sobre rirmos e chorarmos na mesma hora, sobre o que e quem de verdade importa, sobre aquelas pessoas nossas que sem saberem nos procuram naquela hora de aflição, sobre o Amor, sobre a falta de sono, sobre gastar a bateria até ao fim, sobre precisarmos sempre uns dos outros, sobre a excelência e a Humanização exponenciada ao máximo no nosso Serviço Nacional de Saúde, sobre tempo sozinha com a minha filha, sobre sentir o cheiro e o calor dela em modo slow, sobre a alegria de dois girassóis.

A Maria esteve internada três dias. Meningite. Custou-me horrores que ela fizesse uma punção lombar. Tão pequenina: agulhas nos braços, nas mãos, nas costas, que me doíam horrivelmente no coração.

Foram momentos difíceis mas passou. Nem sei explicar mas hoje quando tivemos alta, senti que saí do Hospital uma pessoa diferente. Ás vezes o pavor, as lágrimas, despertam-nos para a vida. Tive todas as pessoas ao meu lado, as com quem contava e as com quem nem contava. E a Maria portou-se lindamente; temos uma menina brava a sério.


O grande desafio tem sido olhar para os sinais. Olhar para fora. Num mundo que nos diz que o eu é a prioridade, que nos ensina todos os dias a arte das pequenas guerras inúteis, dos desassossegos múltiplos dos quais somos reféns.

O meu sonho em relação a mim mesma é aprender a arte do silêncio.  Muito difícil. Ficar cada vez mais quieta em relação às tormentas. Deixar que a fúria alheia passe, como o vento, que há-de sempre ir dar a outros lugares.

A minha prioridade é a maternidade. Que me trouxe um olhar mais atento ao belo, à alegria, à magia das coisas quietas realmente importantes.

Hei-de sempre ser salva por uma erva que cresce na beira dos caminhos, por gatos-bebé a brincar em telhados de zinco numa tardinha cheia de sol, por um pássaro distraído a brincar em poças de água.

Nada é tão importante. Nem sequer nós o somos.

Contrastes




Novembro no mundo.

Assusta muito

O preço a pagar por estes dias extraordinários de um Outono generoso, com dias de céu azul e um sol que aquece a alma. Dias que lembram mais do que a Primavera, lembram o próprio Verão. Dias impróprios, ainda que o possamos justificar em Novembro, com o Verão de S. Martinho.

Há qualquer coisa que já não é igual quando desfrutamos de dias assim. O planeta está a declinar muito rápido. Penso na Maria, e na loucura das estações. Na nossa fragilidade e imbecilidade. Neste caminho sem retorno.

Vontade de voltar para a ilha








Lá faltava-me tudo aqui. O rio, o nevoeiro das manhãs, a cultura, o verde, o povo, a cidade velhinha e cheia de história. Mas os anos passam, e as saudades invertem-se. Tenho saudades do vento, das montanhas nuas, da exuberância exótica das flores, da lava negra, do silêncio, da paz, da liberdade e dos dias que parecem maiores todo o ano, das caminhadas, das acácias.

Nunca temos tudo.

Uma Família

 


É a maior herança. Ter com quem rir, com quem trincar os dias amargos, com quem partilhar os silêncios. Ter para quem voltar, no fim do dia ou no fim de uma viagem longa. Ter com quem apreciar as coisas simples como ficar sentado na beira do rio numa tarde de calor.

Ser de alguém; pertencer a.

Querida filha

Corre o mês de Outubro do ano 2024.

A mãe e o pai fazem contas à vida, o dinheiro não chega para casarmos e qualquer dia seremos expulsos da cidade, sendo que as casas no Porto quer seja para alugar ou comprar estão a preços proibidos.

O meu trabalho começa a fazer-me um cheque-mate mental. O teu pai não fala muito sobre as coisas dele mas sei que também não está fácil, vivemos num país de salários muito baixos e onde cada um tem que trabalhar por dois.

Morreu o cantor Marco Paulo, um dia falo-te nele.

Em Lisboa queimam carros nas ruas. Uma anarquia este país, uma desordem tal que cheira só a mau prenúncio.

A tua avó Betinha descobriu o Facebook.

Tens 4 anos e a tua avó Rosa e o teu avô José deram-te um chiclete. 

Decidi que não vou tomar a vacina nem da gripe nem do COVID.

Sinto-me muito cansada filha, tenho abandonado algumas pessoas no caminho, e vou abandonar mais. Sinto que não tenho capacidade nem braços para tudo, para tantos, para todos. Antes sentia-me culpada, agora já não. A consciência da minha finitude obriga-me a perceber que vou fazer o possível e está tudo bem. Concentro-me em ti e mesmo assim falho. Penso demasiado nas coisas, e devo dizer-te que não serve de muito. Às vezes ando triste, às vezes só me apetece viver. 

És tu a canção dos meus dias. A minha história de amor; o meu berço, o meu colo, a minha casa no mundo.

(...)

Nunca gostei do Halloween

Mas agora tenho uma filha, que gosta de tudo o que é festa. Procuro que as fantasias escolhidas envolvam pouca ou nenhuma maquilhagem e sobretudo evito tudo o que seja assustador. Trazer o terror para as nossas vidas, ainda que seja em modo brincadeira, não faz sentido para mim. E ver crianças tão pequeninas a carregar no corpo simbologias sinistras, faz-me mesmo muita confusão. A Maria já se vestiu de abóbora, de gato preto, e este ano vai ser uma princesa do Halloween. Alusivo mas sempre muito gira, e nada assustadora.

Caveiras, sangues e facalhões, jamais!

Conversas só com Deus


Esta semana emocionei-me a sério. Por causa de umas fotografias de um casamento. Por causa da beleza, da alegria, do amor. Por causa do querer; e da magia.

(...)

Continuo a procrastinar. Continuo a não procurar oportunidades por causa de compromissos com os outros e não comigo mesma. A vida é demasiado curta para eu ser assim.

O monstro despertou

Desde a gravidez que nunca mais fiz crises relacionadas com a minha pseudo anemia falciforme (traço 40% mas de forma rara com mais expressão de crises que casos da doença em si). Confesso que ao fim de quase 5 anos, já nem me lembrava do assunto. Mas no outro dia, quase morri de manhã. Sozinha em casa, sem sequer conseguir chegar ao telefone, sem conseguir gritar por socorro, sem conseguir andar nem sequer rastejar-me. Já foi há uns dias mas ainda me sinto a recuperar. É como uma descarga de energia brutal, uma espécie de reset, de curto circuito. Ando em modo de reiniciar.

De maneiras que me pus a ler sobre o assunto. E entre muitas coisas fiquei a saber que a minha esperança média de vida são 67 anos. A correr bem. Com o ritmo de vida que levo, e com o aflorar de nervos, stress e depressão dos últimos tempos, o prognóstico não me parece favorável.

É uma pena. A minha filha precisa de mim. A correr bem, ela terá 24 anos.

Sabina, o Grande


Dá a sensação que com esta musica prepara-nos o adeus. Ele sabe. Que o grande poder da musica é que imortaliza o Homem.

No bus

Escutei uma conversa de uma vozinha pela idade da minha filha, em castelhano, com a mãe.
Senti uma dor fininha só de pensar que poderia sujeitar a Maria, nesta idade, a uma mudança tão grande como mudar de país. Mudar de rotinas, de amigos, de língua à força. Precisava muito de ter mais perspectiva financeira, mas falta-me a coragem. Foi por ela que vim, e é por ela que não vou.
(...)

Momentos grandes dos últimos dias

 A vida não é cor de rosa

Nos últimos dias, apesar de muito cansada, tenho feito mais coisas. Ouvi podcasts que gosto, gente com conversa que faz sentido para mim. Participei num webinar sobre wellness e pela primeira vez senti que está na altura de começar a sério exercícios de meditação. Tenho conseguido cozinhar alguma vez para os meus dois amores, inscrevi-me em formação que me interessa muito para 2025, comprei presentes atrasados, levei e fui buscar a Maria a um aniversário, tive conversas longas ao telefone com a minha mãe como se fossemos apenas duas boas amigas de longa data, conversei um bocadinho mais com o Luís, também o abracei mais vezes, destralhei a casa. São pequenas coisas. Mas fazem-me sentir que avanço.

E de repente sinto uma energia anímica que me andava a faltar faz tempo. Sei porque tenho muita vontade de fotografar outra vez. Tenho vontade do Natal. Penso em escrever um livro.

Se eu já tivesse sucumbido ao meu desânimo, quanta coisa eu teria perdido.

Sobre viajar

Aos quatro anos

 


A Maria foi visitar o Mercado do Bolhão com os amiguinhos do Colégio. O avô quis saber como foi, se ela gostou. Resposta dela: "Oh avô, se eu já conheço o Mercado do Bolhão desde que era pequenina!"

Estive lá



Na procissão de velas em Fátima, na celebração do milagre do Sol.
No meio do turbilhão dos dias, da falta de descanso, dos sonos trocados, das pilhas de afazeres que ficam para depois, recebi este convite irrecusável da Nossa Senhora. Uma experiência única. Achei sempre que no meio da multidão iria sufocar, mas não. Sentir que somos cada um de nós a Luz do mundo, em dias tão terríveis como estes que vive a Humanidade, dá-nos alguma esperança e força.

Perto dEla sinto-me limpa, sinto-me sempre bem. Não há colo maior.

Do melhor

A ultrapassar

Há muito tempo que lido mal com a falta de amor. Com a falta dos outros. Com a angustia que me causa não se importarem. Com o perceber que se eu não mexer as minhas palhas, ninguém mexerá. Com nunca me sentir aprovada em nada, a sinalizar bem todas as frequentes vezes em que alguém verbaliza reprovações em relação à minha forma de ser e de estar na vida. É como se tivesse um vermelho que pisca e dispara sinal sonoro cada vez que alguma coisa me diminui. E porque não poderia ser de outra forma, só tem poder de o fazer quem permitimos ficar perto, ou ficar junto. Para cumulo sou uma sensível até à medula, sou a que vê um avião passar ao longe e chora, o que torna qualquer incompatibilidade na Torre. Quando era miúda achava que um dia ia conhecer alguém que gostasse apaixonadamente da minha forma de ser, dessa terrível sensibilidade que vista de algum outro prisma poderia ser uma qualidade. Hoje sei que não é assim.

Tenho tentado repetir baixinho cá dentro que isto não é sobre os outros, isto é sobre mim. Os outros são e dão o que podem e o que querem, são natureza alheia. Culpar os outros, esperar dos outros, atrasa e estanca o crescimento que a minha alma pretende desta passagem. Devo conseguir manter-me eu, apesar dos outros.

Ficar bem porque sou casada comigo mesma. Porque conheci poucos psicólogos com vocação como sei que tenho. Porque seja qual for o emprego sei que me dedico totalmente. Porque sou escrupulosa na organização do dia a dia da minha filha. Porque não corro atrás das oportunidades, mas fui educada a não faltar ao trabalho por causa de uma gripe. Porque sou simples e gosto cada vez mais de ser assim. Porque tenho Fé, apesar de quase todos os dias fazer a derradeira pergunta de Cristo quando no desespero se sentiu abandonado. Porque sou pobre mas não sou miserável. Porque não sou alegre, mas não sou infeliz. 

Um dia tudo perde a importância.

Algo que me desassossega


As tempestades com nome de gente, umas atrás das outras, a arrancar as árvores seculares pela raiz, a deixar toda uma cidade num estado caótico de por os nervos em franja. Chuvas torrenciais em hora de ponta, eu com a miúda mais a mochila mais o saco do ballet mais a minha carteira mais o guarda-chuva que em dias assim é só mais um empecilho, mais setecentos kilos de fúria da pior. Não haver um bus, um táxi. O pai dela sem atender o telefone até duas horas depois do fim do turno dele. Contas feitas foi um dos piores dias da minha vida. Durante a noite não preguei olho, pensava em como se mesmo dentro de casa se sente tamanha angustia, imaginemos então quem vive nas ruas. A tristeza de perceber a nossa imensa fragilidade. De sentir a porra da cidade sem estrutura nenhuma para dias assim. Ter que lidar com gente mal educada - porque hoje em dia é o que mais há - ao mesmo tempo que também eu estou a ferver. Porque fica tudo louco: bichos, gente, aparelhos, transportes.
Em quase cinquenta anos de vida, de todos os temporais que vivi, este foi o mais marcante. Se isto avançar tão rápido como dizem, então deve ser mesmo o principio do fim dos dias há muito anunciado.

Isto de ser mãe

Trata-se de um profundo frente a frente comigo mesma. Nunca fui tão ao fundo dos meus próprios preconceitos, dos meus próprios medos. E tenho percebido nas últimas semanas, que se eu quero deixar uma boa pessoa no mundo, tenho que ter particular cuidado em não fazer julgamentos, baseados nos meus preconceitos e medos, na frente dela, da nossa pequena Maria. Porque cada vez que eu faço um comentário sobre o colégio, sobre a educadora, sobre a auxiliar, sobre o porteiro, sobre os amiguinhos, sobre a mãe dos amiguinhos, eu ensino a Maria a ser. Com 4 anos as crianças imitam os adultos. Se não formos construtivos e generosos, eles também não serão.

Educar a Maria tem sido reeducar-me.

Há coisas boas, infinitamente boas. Como por exemplo adormecer com a Maria. Como estes primeiros dias de chuva e névoa, se estamos quentinhos em casa. Como uma parvoíce qualquer que nos surpreende e nos faz rir até doer a barriga. Como uma canja de galinha com hortelã quando nos sentimos doentes. Como um dia em família, só feito de pasmaceira, de calma sossego e silêncio.

Estas têm sido as grandes coisas da minha vida, as simples, que me fazem sentir, que me fazem sentir melhor.

Às vezes é difícil perceber e aceitar que os Invernos nunca serão justos para os sem-abrigo, que tantas crianças nunca saberão o conforto de tanto amor quanto tem a Maria, que a vida real não é um conto de fadas.

Mas voltarmos para casa todos os dias, sãos e salvos, e reunirmos-nos os três nesta nossa bolha sagrada, é uma sorte maior do que grande. Devo não perder isso de vista, especialmente nos dias em que travo batalhas mais profundas com a minha tristeza. Ser mais justa e ser mais grata.

Do nosso mundo

Uma enorme maçã podre nos seus últimos dias:
Mais um barco de migrantes com destino directo à morte, desta vez ao largo de França. Uma criança da idade da minha filha - 4 anos - naquele barco. Dizem as notícias que morreu espezinhada.
(...)

O paradoxo da injustiça

Olhar para fotografias minhas e perceber que fisicamente estou cada vez mais parecida com o meu pai. O senhor que nunca se preocupou, que é pai da mulher que se preocupa excessivamente por tudo e por nada.

A injustiça nos detalhes

Acho que não é novidade para ninguém que o mundo é uma ferida aberta. E que nós seres humanos nos habituamos ao sofrimento alheio com aterradora conformação. Mais uma pateira, a chegar a Hierro, que afundou. Com cinquenta pessoas, entre as quais várias crianças, primeiro enfrentaram o terror da viagem, depois com terra à vista moveram-se todos por ignorância e por alegria para o mesmo lugar do barco, que cedeu. Um mar cheio de corpos, peixes que já vão sendo carnívoros.

Aquela gente tinha esperança. Tinha objectivos. Alegria que move.

(...)

Acabou-se-me completamente a alegria de viver.

Doem-me os dias todos iguais, sem sabor. As sucessivas frustrações com empregos que parecem castigos - e serão. Memórias de um amor, que não chegou nem para casar. Dói-me o não fazer umas férias, numa casa velha aqui ao lado. O não fazer planos de futuro, rigorosamente nada. O não ter objectivos pequenos sequer. Resume-se tudo, há demasiado tempo, em ir trabalhar, aturar, voltar a casa, limpar, não conversar sequer, e começar tudo outro vez. Caí num vazio tão grande que não sei como sair daqui. Bem certo é que quem não é amado não consegue ser feliz. E eu nunca fui amada. Talvez agora seja pela Maria, mas é temporário. 

Gostava de carregar num botão. E desaparecer definitivamente da memória de todos.

Dias terríveis

Mas que vão passar. Tudo faz parte de um plano de Deus e devo confiar.

Por mais que me sinta sozinha - mais uma vez - num momento de duvidas, medos, angustia e fúria. É um processo que porque se repete na minha vida, com as pessoas de fora e com as pessoas de dentro, obriga-me a mudar. A ficar quieta e calada, porque realmente quase tudo vai perdendo a grande importância que teve para mim.

Tenho a Maria. Que um dia bate asas.

Tenho-me a mim.

Tudo muda num segundo

Ontem chegou o resultado da minha biopsia. Está tudo bem, felizmente. A sorte imensa que eu tive e que tantos não têm. É de longe o momento mais importante da minha semana, do meu mês e talvez do meu ano. A Vida está sempre presa por um fio.

Adenda ao post anterior

Salvaguardo que são os avós deste país que sem poder cuidam de tantos netos. E aí caros pais, temos que aceitar a ajuda como ela vem. Quantas vezes tenho que contar até cem e respirar fundo para não ter um surto por causa da novela mexicana dona Maria e seus avós. Mas depois quando vem a calma percebo que eles são os maiores, porque fazem simplesmente o melhor que podem.

E só a estes e a mais ninguém, são permitidos cabelos despenteados, batas cinzentas e engelhadas, e unhas compridas e sujas.

Setembro é um bom mês para limpezas, para começos e recomeços, para tomar decisões, para mudar de pele. De repente a chuva já está aí outra vez, para ficar por seis meses. O frio revigora e as pessoas desfilam botas e casacos porque o inicio das estações é sempre um refresh para os adictos da moda.

 Pergunto-me o que são pessoas bonitas. 

Esta manhã quando levei a Maria ao colégio percebi descuidos evidentes em algumas crianças que chegam ao mesmo tempo que a Maria. Batas cinzentas e engelhadas, cabelos por pentear, unhas grandes e sujas. Eu sei que o mundo não são as minhas quatro paredes, e a vida dos outros não me diz respeito. Mas não consigo deixar de reparar. A base é o principio. E quando isto falha em crianças tão pequenas, confesso que me choca. Porque há gente muito pobre mas com base muito sólida. Pessoas bonitas são as que não criticam a vida alheia, pode ser. Mas pessoas bonitas para mim, são as simples, as de trato elegante, as que mesmo quando não gostam percebem a importância das regras. Pessoas bonitas falam baixinho (tenho que aprender isto), sorriem, gostam de saber, discutem assuntos com tolerância e respeito. Pessoas bonitas sabem que estão neste mundo para fazerem o Bem e para serem felizes. E depois ponham-lhe um Rolex, que também gosto muito e adoraria ter um. Mas bonito mesmo é o que cultivamos cá dentro, o que segue connosco, mesmo numa cama de Hospital. 

Em Setembro que quase termina, ainda vou a tempo de começar arrumações profundas. Criar espaços vazios fora e dentro de mim.

Leveza, conforto e simplicidade. Olé.

Coisas que descubro depois dos quarenta


A riqueza da musica que canta tristezas com melodias alegres; cada vez gosto mais.

Intensidade que dói

Os últimos dias foram de suspense. Todo o fumo e fagulhas que andou no ar deixou pressentir bem a tristeza dessas gentes que viram de perto arder as gentes e as terras. Filme de terror, cenário de muita confusão; não sei porquê que estas coisas acontecem cada vez mais, num mundo que se diz tão munido de ferramentas. A vergonha de deixarmos arder assim as nossas matas, de mais uma vez sermos apanhados de calças nas mãos, de culparmos o clima pelas nossas atrocidades. E perceber logo nas primeiras chuvas que o cenário vai mudar mas o filme vai continuar a ser de terror. Dá vontade de fugir de perto destes Homens, destas leis. Momento marcante 1.

Dentro da casa enfumarada, no silêncio do meu quarto, decisões tomadas. Nunca é fácil mudar, eu não gosto. Mas acredito que são as decisões, certas ou erradas, que são a seiva da vida. Preciso de sair do lugar onde estou. Não é a primeira vez que esta sensação forte acontece, nem sequer foi assim há tanto tempo que me aconteceu a ultima vez. Cansa. Desgasta. Não o faço nos picos da alegria. Faço-o agarrada à mesma esperança de sempre: Deus ajuda quem muda. Momento marcante 2.

Horários já difíceis de digerir para uma família com uma criança pequena. Poucas horas de bom sono. A cabeça sempre a girar e o modo sobrevivência a fazer-me disparar para o que tenho mais próximo. A Maria a fazer umas birras que lhe desconhecia, e eu a dar-lhe as primeiras duas sapatadas no rabo das que sacodem a poeira mas que me partiram o coração ao meio. A sociedade leva-nos a isto. A verdade é que estou a criar uma menina que é um sonho, mas com tudo o que lhe permitimos começa a acusar sinais de ser só mais uma mimalha, birrenta e pseudo-manipuladora. Demasiado ipad, demasiadas prendas, excesso de beijos. Não podemos fazer isso dela, com ela. Por todas as razões, mas porque até construir a família dela, a Maria que não tem irmãos, um dia vai estar sozinha no mundo. E tem que ser inteira e integra e bastar-se. Sempre ouvi que é de pequenino que se torce o pepino. As velhas escolas já sabemos no que falharam, as novas suspeitamos que sabem tudo mas ainda é demasiado cedo para prognósticos. E eu cá sinto-me tão às apalpadelas nisto de ser mãe, que hoje estive duas horas deitada na cama, no escuro do meu quarto, aninhada numa tristeza por não saber como fazer. Momento marcante 3.

Perguntei ao Luís quando nos casamos, sem romanticismo nenhum. Estou preocupada com a Maria e com o futuro. Respondeu-me que ia comprar hortelã para a canja de logo à noite e que de momento não estava a pensar em mais nada. Mas que se eu quisesse para ir vendo as alianças. E foi assim que decidi que não volto nunca mais a este assunto. Matou antes o romanticismo e matou agora o planeamento. Somos diferentes, olhamos a vida de formas diferentes. Momento marcante 4.

Ficar saturada das queixas da minha mãe ao telefone. Perceber que ela errou quase tudo e ouvi-la culpar o universo e as pessoas pela falta de sorte desperta em mim o pior sentimento humano: uma espécie de pena à mistura com raiva. Ao ponto de lhe dizer coisas que precisa de ouvir mas que magoam muito. Adivinhar que o fim da vida dela vai ser de uma profunda tristeza. E ter a certeza que quero estar lá para lhe dar a mão, seja eu vida ou espirito. Porque acima de tudo ela é minha mãe e tenho plena consciência de que a ausência dela pode causar o maior buraco na minha alma. Desses que podem fazer ruir a estrutura inteira. Ela, a pessoa mais torta que conheço, é uma pessoa-pilar para mim.
Lembro-me que tinha uns oito anos quando encontrei uma carta da minha mãe, nunca cheguei a saber a quem se destinava. Nela dizia que estava a pensar em suicidar-se, por muitas razões que davam um livro. Dobrei aquele papel e coloquei onde estava. Durante uns dias ficava muito parada a olhar para ela, lembro-me de acordar e pensar "será que é hoje que a minha mãe vai morrer?" Passaram os dias e não aconteceu e com o tempo acabei por deixar de pensar nisso. Ao mesmo tempo - que injusto para uma criança - penso nisso desde os oito anos.
Lembrar-me destas coisas tem-me deixado muito sensível e triste. Momento marcante 5.

E chega. Quando Prometeu roubou o conhecimento aos Deuses para o oferecer aos Homens, de certeza que tinha boas intenções. Mas no meu caso particular, eu que quase nada sei, sofro mais por saber. E sinto que o mundo está em guerra e na insignificância particular de cada um quase ninguém está feliz, sendo rico ou sendo pobre. Está tudo confuso e às avessas: sabemos tanto, e não sabemos nada.

Dia de choradeira


A verdade é que ando mesmo a precisar disto, de chorar assim sozinha.
Tenho imensas saudades da Ana e da Cristina. Nunca mais tomei um café com a Teresa. Nem conheci ainda o filho da Patrícia e o da Susana, ambos de nome Santiago. Nem visitei mais a Cristina no Hospital. Nem voltei a conversar com a mãe do Nelo. Partilhei momentos únicos e maravilhosos da minha vida com estas pessoas, nunca poderei contar a minha história sem falar nelas. E elas procuram-me, sou eu que não estou.
Ás vezes sinto que a vida me engole. E eu deixo.
Serei eu um projecto falhado em modo de conclusão?

Eu e as curtas


Adoro.

O lado B da Vida

Tenho feito horários doidos, especialmente para uma mãe com uma filha de 4 anos de idade. São três horários diferentes em sete dias, a ter que andar na rua depois da 1h da madrugada e às 5h30 da manhã. Com folgas separadas. Um bocadinho violento. No meio deste vaivém vertiginoso, fiz uma colnoscopia-endoscopia com anestesia na semana passada. Quase de certeza que a biopsia não vai acusar nada, mas nunca sabemos.

Em casa estou hiper-mega intolerante, pudera. Ao mesmo tempo que a miúda está cada vez mais teimosa. De maneiras que o pouco tempo juntas que deveria ser maravilhoso, é gasto em birras de parte a parte. Apesar de tudo a vida não para: a Maria dorme finalmente sozinha. Ontem disse que quer ir à Austrália, e o pai prometeu-lhe que vai aprender surf. Eu penso na minha mãe. Éramos quatro, e nunca pedimos coisas mundanas como pede a Maria. Nós no nosso tempo só queríamos mesmo ter umas sapatilhas para as aulas comuns de ginástica. E já era tão difícil para a minha mãe...

Vida social, zero. Acho que já perdi os amigos todos. Quem nunca procura, acaba por deixar de ser procurado. No entanto quem esteve no meu coração, cá continua. Eu é que se me resvalo no meio desta vida já tão apertada, fico sem tempo até para descansar. Não dá mesmo malta. Acusem-me de má gestão, do que quiserem. Eu cá sei da minha vida.

Durmo bem mas ando cansada, a sentir que tenho que mudar alguma coisa, porque a continuar assim, não sei. No geral estamos bem os três. Núcleo duro intacto. Obrigada meu Deus, porque já não é pouca coisa.

(...)

Para ver

E é sempre quando estás no limite financeiro que te parte um dente ou te dói a barriga. Acho interessante ser assim, a vida ensina, mesmo quando teimamos em não aprender ela não desiste de nós. Outra coisa imensa, que nos faz sentir que não voltaremos a este ponto do caminho, é que ninguém se vai enterrar connosco. Perceber isso permite clareza e reação. De resto é só a vida a ser normal, nascemos e morremos sozinhos. Em grande parte do percurso estamos acompanhados, mas nas dificuldades a sério, conseguimos ouvir o eco do nosso lamento.

As voltas que a vida dá



Não gosto mais de viver nesta casa-cidade nem do que implica a cada ano viver a ameaça de ter que sair. Não gosto mesmo de ficar de braços cruzados à espera que a bomba estoure, nunca foi do meu feitio e agora estou a ser obrigada a fazê-lo. As gentes da cidade não têm dinheiro e o que há de casas vão sendo compradas por quem tem muito, normalmente os estrangeiros. É uma espécie de pobreza colectiva na qual me incomoda já estar a incluir a Maria. Tenho 45 anos e gostava de me reformar já, porque a violência dos empregos, dos horários, dos salários tão baixos, são cada vez mais incompatíveis com as vidas que queremos ter e dar aos nossos filhos. Já nem é nada por mim, faz tempo que desisti de pensar no doutoramento, nem sei o que é gastar dinheiro comigo numa massagem. Depois ao mesmo tempo ela só tem 4 anos, e é mimada e teimosa e desobediente, numa fase em que eu estou intolerante. Quando me saem os berros e ultimatos, o pai sai em defesa dela, para me lembrar de forma subtil que sou péssima mãe, que não é com maus modos que a coisa vai lá. Pois não, mas também não é com deixar passar a procissão e ficar a ver. De maneiras que este sentir-me assim, sem saídas nem para mim quanto mais para ela, só me deixa força anímica para ir ao trabalho e voltar a casa para dormir. Já nem acho a cidade tão bonita, é a história da raposa a olhar para o cacho de uvas maduras mas como não lhes chega diz que estão verdes.
Cada vez tenho mais despesas e cada vez tenho menos dinheiro. Cada vez sei gerir menos o dinheiro e cada vez gosto menos do dinheiro. Por causa disso cada vez me sinto mais sozinha.

Agrilhoada nesta cidade, nesta casa e na minha conta bancária.

Quinto dia de escola

Chegamos do colégio eram as 16h. Aterrou no sofá como um pardalinho. A miúda que já não quer ir dormir cedo e diz que as sestas são para bebés. São 19h06m. A casa continua silenciosa. Tudo a entrar nos eixos.

Insano

Tenho saudades da chuva.

Paradoxos

Quanto mais percebo que tenho que emagrecer, mais vontade tenho de comer.

Elefante branco

Sou só eu a achar que este Governo anda a distribuir o que não tem?

(...)

Dia primeiro

Começamos o dia com chuva e a miúda tristonha porque regressava ao Colégio hoje. E os três ainda sem sentirmos que já estamos super up na engrenagem da roda do hamster, lá fomos com a maré. Detestei a recepção aos miúdos e ela lá ficou a chorar e nós viemos embora de coração apertado. Gostava de fazer aqui um parêntesis: nunca vou gostar de ver uma criança da idade da minha filha, no primeiro dia de regresso à escola - pré-escolar, ok - em dia de chuva, de crocks, saia de tule, manga cavada e umas asas prateadas. Acho que os pais são só insanos quando arrancam assim o ano lectivo. E não me venham dizer que a escola nestas idades não é a sério, porque a Maria aprendeu para caraças no ano passado. Também confesso que espero não voltar a ver esta situação, porque eles são ao mesmo tempo demasiado pequenos para compreenderem o porquê de uns cumprirem com a obrigatoriedade do uso de uniforme e outros não. Queridos pais, alinhamento por favor. Estimado Colégio, acordamos todos os dias demasiado cedo, não andamos a brincar às escolinhas. O ano passado calei-me a algumas coisas que não gostei muito, porque tenho noção que às vezes nós pais damos mais trabalho que os miúdos. Mas este ano decidi que vou estar mais presente. Uma semaninha de tolerância para que todos entrem no ritmo, depois vou manifestar-me sempre que me parecer conveniente.

Em Janeiro a Maria vai cumprir 5 anos, fala nisso como se fosse atingir uma espécie de maior idade. Eu estou muito feliz e contente, já escreve o nome dela, faz contas de somar básicas e tem uma sede de saber que é uma peninha estragarmos com mariquices. É um privilégio ser criança e ela tem que rir e brincar e andar fantasiada. Permitimos-lhe isso tudo; não tive nada do que ela tem. Mas a regra. É a regra e a disciplina que vão fazer a diferença nos seres mimados e consentidos que nós pais estamos a criar. E se o Colégio não me ajudar sequer nisso, socorro.

Não são as crianças. As crianças são todas uns amores, são Crianças. Lembro-me de ter sido muito pobre e de isso se notar logo no meu primeiro dia de aulas. Não quero que a Maria trate nenhuma criança de maneira diferente, nem se sinta ela própria diferente, por causa de umas asas prateadas ou de uma bata. Não é isso, é outra coisa.

Setembro

Das coisas maiores


tu és a mais grande.
Apercebi-me nestas ferias de coisas extraordinárias em ti. Com a pressa dos dias e a cabeça sempre cheia de preocupações, às vezes nem vemos direito o que acontece à nossa volta. E tu cresceste tanto, que às vezes assusta sentir-te enguia a escapar-me entre os dedos. Nas coisas em que és tão diferente de mim, percebo que és do mundo e não minha. Nos teus brilharetes, que normalmente eu e o pai gostamos de guardar só para nós; e na tua rebeldia que me faz sentir muitas vezes descolocada, percebo que vamos precisar de ser firmes contigo. Não me assusta. Torna-me consciente da necessidade - agora mais do que nunca - de continuar a investir na minha formação pessoal para estar à tua altura filha. Para poder ajudar-te a ser a melhor Pessoa que tu conseguires ser. Amor e disciplina, e vamos conseguir.

De resto dizer-te Obrigada meu anjo. Pelos teus abraços apertados, por me sussurrares banalidades ao ouvido, pela tua preocupação genuína comigo, pelo teu Amor limpo e pelo teu riso alegre, pelo teu colo que é o maior do mundo. Pela forma verdadeira como não gostas ou gostas das pessoas. Por perguntares tanto sobre tudo. Por me reconciliares com a minha mãe, quando hoje lhe disseste ao telefone que desde esta manhã, já tens muitas saudades dela.

És a minha pessoa preferida no mundo inteiro, para sempre.

Back to reality

Fim de férias. Inicio de tanta coisa. Só de pensar, que canseira.

(...)

Agosto a terminar

Comprei a primeira prenda de Natal - livros para a Maria.
E terminei de ler um livro e estou quase a terminar outro. 

E acho que vou fazer disso a minha terapia: voltar a ler muito. Foi mais do que a minha faculdade, mais do que a minha família, mais do que amigos de carne e osso. Muitas vezes só nos livros encontro as palavras.

Senhores que gostam de passear os bichos na praia

Antes de algumas praias serem autorizadas aos cães - e nada contra embora ache que se não há piquetes não há abébias pois continuo a ver situações de bradar aos céus e sendo assim eu cá era praia para bichanos e só, e praias para pessoas e só - as praias já eram utilizadas por pessoas.
Para meu grande azar gostamos de frequentar uma praia onde vai a banhos toda a canzoada dos arredores. E se é verdade que ninguém me obriga a ir para ali, custa-me uma conversa com o Luís em que não concordamos de maneira nenhuma. Pelo que me calo e sim senhor, lá vamos nós aterrar no lugar do costume.

Gostava de partilhar que o dono de um cão de grande porte e de raça perigosa, que brincava feliz com o cão na água, sem trela claro, os outros que se f...., teve ali um milésimo de segundo de esperteza e parece-me que salvou a vida à minha Maria. Porque num dos momentos de correria atrás de uma bola, o bicho enorme e negro fixou o olhar na miúda. E já nem viu a bola passar. Estacou, aquilo parecia o "congela" da Frozen que nos está sempre a acontecer cá em casa. E só descongelou porque o dono percebeu rápido o que ia acontecer logo a seguir. E vai daí saca de nova bola e grita-lhe pelo nome e atira para o mar, e ele disparou a correr água adentro. Espumei-me toda. Cambada de acéfalos todos os dias a porem a vida dos demais em risco. A não assumirem que os direitos dos animais não são nem podem ser superiores aos das crianças, aos das pessoas.

Por mim não voltava a esta praia. Não tenho nenhum cão nem perdi ali nada. Mas o pai da Maria acha só que eu tenho medo de cães e até assusto a Maria. Eu só conheço a história da Mayza que levou uma centena de pontos na cara porque dois pit bull sem açaimo lhe desfiguraram o rosto. E vejo pelas noticias que é algo que acontece tanto que já quase se banaliza.

Trela, por favor. Obrigado. E apanhem os croquetes e levem-nos para casa.

Senhores empresários do Paraíso

Empreguem mas por favor invistam em formação. É urgente. Portugal está na moda mas não vai estar sempre.

Férias grandes






















Conseguimos uma semana esplêndida com a miúda. Uma mão cheia de mar, com direito a piscina e rio que ela é feliz dentro de água. Tivemos a sorte grande do céu azul e o Sol brilhante, e a sorte imensa de um dia de praia incrível envolto em nevoeiro cerrado: um sonho. Passeamos com ela pelo Portugal cheio de História. Entrou pela primeira vez numa tasca connosco, e portou-se lindamente. O pai foi incansável. Comove-me ver como se dedica a ela: é a coisa mais bonita do mundo. E o resto foi só areia e sal, beijos e risos, pés descalços, roupas leves, gelados todos os dias. 

Sem relógios, alheios ao mundo. Aqui mesmo à porta de casa. Fomos muito felizes este Verão.