Não gosto mais de viver nesta casa-cidade nem do que implica a cada ano viver a ameaça de ter que sair. Não gosto mesmo de ficar de braços cruzados à espera que a bomba estoure, nunca foi do meu feitio e agora estou a ser obrigada a fazê-lo. As gentes da cidade não têm dinheiro e o que há de casas vão sendo compradas por quem tem muito, normalmente os estrangeiros. É uma espécie de pobreza colectiva na qual me incomoda já estar a incluir a Maria. Tenho 45 anos e gostava de me reformar já, porque a violência dos empregos, dos horários, dos salários tão baixos, são cada vez mais incompatíveis com as vidas que queremos ter e dar aos nossos filhos. Já nem é nada por mim, faz tempo que desisti de pensar no doutoramento, nem sei o que é gastar dinheiro comigo numa massagem. Depois ao mesmo tempo ela só tem 4 anos, e é mimada e teimosa e desobediente, numa fase em que eu estou intolerante. Quando me saem os berros e ultimatos, o pai sai em defesa dela, para me lembrar de forma subtil que sou péssima mãe, que não é com maus modos que a coisa vai lá. Pois não, mas também não é com deixar passar a procissão e ficar a ver. De maneiras que este sentir-me assim, sem saídas nem para mim quanto mais para ela, só me deixa força anímica para ir ao trabalho e voltar a casa para dormir. Já nem acho a cidade tão bonita, é a história da raposa a olhar para o cacho de uvas maduras mas como não lhes chega diz que estão verdes.
Cada vez tenho mais despesas e cada vez tenho menos dinheiro. Cada vez sei gerir menos o dinheiro e cada vez gosto menos do dinheiro. Por causa disso cada vez me sinto mais sozinha.
Agrilhoada nesta cidade, nesta casa e na minha conta bancária.
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