Corre o mês de Outubro do ano 2024.
A mãe e o pai fazem contas à vida, o dinheiro não chega para casarmos e qualquer dia seremos expulsos da cidade, sendo que as casas no Porto quer seja para alugar ou comprar estão a preços proibidos.
O meu trabalho começa a fazer-me um cheque-mate mental. O teu pai não fala muito sobre as coisas dele mas sei que também não está fácil, vivemos num país de salários muito baixos e onde cada um tem que trabalhar por dois.
Morreu o cantor Marco Paulo, um dia falo-te nele.
Em Lisboa queimam carros nas ruas. Uma anarquia este país, uma desordem tal que cheira só a mau prenúncio.
A tua avó Betinha descobriu o Facebook.
Tens 4 anos e a tua avó Rosa e o teu avô José deram-te um chiclete.
Decidi que não vou tomar a vacina nem da gripe nem do COVID.
Sinto-me muito cansada filha, tenho abandonado algumas pessoas no caminho, e vou abandonar mais. Sinto que não tenho capacidade nem braços para tudo, para tantos, para todos. Antes sentia-me culpada, agora já não. A consciência da minha finitude obriga-me a perceber que vou fazer o possível e está tudo bem. Concentro-me em ti e mesmo assim falho. Penso demasiado nas coisas, e devo dizer-te que não serve de muito. Às vezes ando triste, às vezes só me apetece viver.
És tu a canção dos meus dias. A minha história de amor; o meu berço, o meu colo, a minha casa no mundo.
(...)
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