Expressão da minha terra que significa coisas tão diferentes e opostas como repugnância, enfado, surpresa, alegria, alivio, espanto. Expressão que me lembra a minha avó e me une à minha África-berço que não conheço. Uma palavra inteligente, que obriga a interpretar por inteiro a frase, incluindo a entoação e o sorriso ou a interrogação que dela fazem parte.
Flash
Acho incrível que alguém acredite que a seguir fazemos férias, tiramos as máscaras, e fica tudo resolvido. Tomem bem nota, que os nossos filhos agora pequeninos, ainda cá andarão a tentar resolver no futuro as sequelas deixadas por esta pandemia.
M de Março, M de Maria
No dia 26 decidiste dar os teus primeiros passinhos e escolheste - com justiça - os teus avós para serem os primeiros espectadores dessa grande conquista. Trouxeste uma pedrinha para casa, e nem sabes como me alegra suspeitar que tal como eu vais sentir-te atraída por simples pedras da rua. Com naturalidade vais fazendo os teus progressos no processo de socialização, ao mesmo tempo que aprendes a escolher quem queres deixar entrar no teu mundo. Ensinas-me coisas sobre a ansiedade, sobre não precisar de me justificar ou de te defender, sobre ter todo o tempo do mundo para esperar pelas tuas conquistas. És tu a minha grande professora em muitas matérias novas sobre mim, sobre ti, sobre nós, sobre os outros.
Fazes-me feliz todos os dias.
Como uma oração
Não consigo. Temer mais o vírus do que aquilo que vejo à minha volta. Hoje caminhei meia cidade e fiquei triste, muito triste. Tantas as lojas que fecharam de vez, lojas antigas, de toda uma vida. As pessoas vagueiam mas está tudo sem rumo. Há um silêncio estranho, e as vendas ao postigo matam-nos a alma.
Hoje fui atacada por um bando de gaivotas destemidas. Roubaram-me o lanche e quase me dão uma tareia. Em dois pontos diferentes da cidade, senti que são elas, as gaivotas e as pombas, quem agora domina as ruas. Perderam-nos o medo, tomaram posse. Ou a nossa estranha ausência atormenta-as de fome e torna-as ainda mais valentes.
É estranho, mas só tinha vontade de chegar a casa.
(...)
Again and again
Dia 17
Dia do mês em que faço a minha lista de gratidão.
Esta semana não só nasceu o meu sobrinho Gonçalo como a minha sobrinha Carolina cumpre a idade mais linda de 25 anos. Aos poucos, tenho passado mais tempo no trabalho. A Maria voltou a brincar com outros meninos. Todos os dias têm sido de Sol: há muito tempo mesmo que não tínhamos uma semana inteira assim. Vem aí o dia do Pai, passei uma vida inteira a não dar importância a este dia; finalmente é importante para mim. Ganhei um ramo de camélias e um molhinho de folhas de louro. A Maria já se aguenta de pé sem apoio. Comecei a tirar dos arrumos roupas de Primavera / Verão. Floriu a orquídea selvagem que temos na varanda.
(...)
É sempre uma lista em aberto. A Vida dá-nos sempre muito mais do que aquilo que conseguimos perceber.
A pandemia hoje
Estamos cansados e desconfiados. Anda de boca em boca o medo de uma quarta vaga. Aprendemos a olhar para os outros e a perceber que também nos pode acontecer a nós. Nota-se que ganhamos alguma humildade, já não somos os maiores. Ao mesmo tempo estamos tão desgastados que sobre a doença é um quase olha, vai-se vivendo com ela, o importante mesmo é viver. Queremos andar na rua, apanhar sol, abraçar. Queremos a liberdade de podermos ser descuidados mas não nos livramos do peso da culpa. Oxalá este regresso seja ao passado e ao futuro. Sem mais recaídas.
A ter sempre presente: seja qual for a circunstância, o melhor lugar do mundo continua a ser aqui e agora.
A semana do regresso
Tem sido uma semana de adaptações. Enquanto nós estamos felizes com o inicio daquilo que será em breve a nossa vida como ela era antes, a Maria dá sinais de que prefere o confinamento. A ida à creche trouxe lágrimas e naturalmente algumas expressões novas que não conhecia na Maria. Com a gente ao redor, em geral, ela está estranha. Chega a casa já à noitinha e fica feliz e contente como uma lebre a correr no bosque. Dá gritinhos de felicidade, como se ao entrar em casa o dia começasse para ela. É chocante perceber que a minha filha nasceu confinada e foi praticamente assim o crescimento dela até agora. Que vai ser um desafio maior trabalhar a simpatia e a empatia na nossa little mermaid. É tão importante a ida dela à creche. Sem duvida que são os outros pequeninos que lá andam que me vão ajudar a trabalhar isso nela.
(...)
O Gonçalo nasceu
No dia 15 passou a pertencer a este mundo de aventuras e desafios.
A placenta da minha irmã deu esta imagem tão impressionante, tão magnifica. Consigo ver nela o desenho nítido da árvore da vida. Brutal. As enfermeiras mais experientes disseram que nunca fotografaram ou observaram uma placenta tão direitinha.
De resto dizer-vos mais uma vez que dar à luz é o maior acto de amor e valentia. Que muitas mães não sabem o que fazer depois com os seus bebés, mas que só o simples instante de parir é algo muito louco, muito do domínio não só da ciência mas sobretudo dos deuses. Que mesmo nos casos extremos, não há nenhuma mãe que a seguir de afaste do seu filho sem profundo dano psicológico. Mesmo numa criminosa, é absurdo pensarmos que isso é possível.
Sem duvida que Março de 2021 já é um mês muito especial. Parabéns Amor da tia, bem vindo ao mundo!
Bom dia Vida
Tenho um sobrinho quase a nascer, por horas ou dois ou três dias. Fico ansiosa e com muita pena de não estar perto da minha irmã. Nem sequer os primos crescem juntos e nem posso vislumbrar quando levarei a Maria à praia junto com os primos pequenos, em manada e algazarra. São estas as coisas mais simples que me preocupa não viver. De resto sinto imensa falta do colo da minha mãe. Contra ventos e marés, além dos nossos conflitos, nunca nenhumas mãos no mundo serão para mim como são as dela. Deve ser por isso que nos últimos dias ando com muitas saudades do mar, porque aquela linha do horizonte me leva para mais perto deles.
Isto das famílias tem muito que se lhe diga. Crescemos nelas, e como alguém disse e muito bem, aprendemos o amor e o ódio em data e importância. Depois com os anos damo-nos conta de que tantas coisas que não gostávamos nos nossos pais, estamos a repetir. Alguns filhos viram mesmo verdadeiros clones dos pais, que susto. Tal a importância do que nos une e do que nos identifica.
O meu processo de maternidade não está a ser fácil, no sentido de que não sou daquelas que afirmam que nasceram para ser mães. Não, tenho tido dias bem de guerra. Em que tento ajustar-me, falho redondamente e penso para comigo se alguma vez vou ser capaz de fazê-lo realmente bem. Do que não há duvidas é de que este é o melhor e o mais bonito desafio da minha vida, e estou muito grata a Deus por ter-me dado a oportunidade de ser mãe.
Haja Saúde!
O que me fez rir esta semana
A imagem da rainha de Inglaterra a usar máscara, com uma legenda em rodapé:
Se até um ser imortal a usa, usa-a tu também!
Fico um bocado à toa com as desilusões, ando dias às voltas a remoer. Talvez seja essa a minha forma de crescer. E fico calada e quieta. Não observo, não argumento, procuro não pensar; nesse estado tento poupar ao máximo as minhas energias.
Sinto-me cá dentro como uma espécie de Forrest Gump, a correr desalmadamente para nenhures, só porque sim. Correr para a frente para deixar para trás.
(...)
Flash
A freira e a nossa breve viagem
Dia da Mulher
Conheço algumas grandes Pessoas mulheres, como conheço algumas grandes Pessoas homens. Iguais seres extraordinários, com diferentes percursos evolutivos.
Confesso que só agora que sou mãe, percebo o quão forte realmente nós mulheres podemos chegar a ser. Eu antes achava que sabia, mas só agora é que de verdade sei.
Não sei o que me deu para ler sobre duas experiências reais de maternidade, muito dolorosas. Uma delas fala sobre a inesperada vinda de um filho com deficiências profundas. A outra fala sobre o abuso sexual na infância. Tenho tido algumas noites instáveis e os meus níveis de energia caíram a pique. Estou cheia de cursos a acontecerem quase em simultâneo e nem me apetece sair da cama e despir o pijama. Mais a Maria, que agora come borbotos e fala uma espécie de russo em voz projetada como de fadista. Mais a casa de patas ao ar e a pilha de roupa aos gritos.
Se eu não enlouquecer em Março, há esperança para o que vem de ano.
Quando todos os epidemiologistas do país nos pedem cautela
Nós prevaricamos.
Nos princípios escrevi sobre isto. Sobre os galardões verbais atribuídos por alguns políticos. Sobre os portugueses não merecerem prémio nenhum por serem exímios a cumprir o confinamento, porque não são! Sobre a sorte maior de um Inverno rigoroso que nos ajudou a salvar a questão comportamental. Sobre o inevitável sairmos da toca como os bichos aos primeiros raios de sol. Sobre não sermos melhores nem piores do que ninguém. É que nas noticias falam dos não sei quantos milhares de portugueses que no ultimo fim de semana saíram à rua, como se isso fosse algo inesperado ou incompreensível. A sério? Esteve só um solzinho bom e estamos fartinhos de estar em casa. Estamos fartos da doença e estamos fartos do Inverno.
Se vamos estragar tudo com o comportamento? Não criamos uma rede de contactos nas redes sociais e combinamos sair todos no mesmo dia. Foi só o Sol e a necessidade, foi uma prioridade interior mais forte. Alimentar um bocadinho a nossa força anímica para aguentar tudo o que ainda está por vir.
Note-se que aqui por casa saímos só por questões autorizadas pela lei. Usamo-las foi como a melhor desculpa, porque tal como os demais portugueses, só nos apetecia andar lá fora.
(...)