Sinto-me, nos últimos dias, pouco inspirada pelos nossos governantes. Sinto que aqui e acolá se goza com o povo. E o povo anda meio milhafre ferido na asa.
Começo a ter conhecimento de casos de gente próxima, infectada com o COVID-19. E começo finalmente a perceber o que se tem feito ou se está a fazer. Uma inacreditável falta de organização.
Quanto ao nosso sistema de Saúde, antes da chegada do vírus já se esperavam horas para se ser atendido numa urgência (para alguns até morrer), já se esperavam meses ou anos para uma cirurgia ou consulta de especialidade, já os médicos nos atendiam em dez minutos que quase mal davam para um cumprimento empático (para os que ainda o sabem fazer), dizem alguns que já a linha de Saúde24 funcionava mal. Ninguém adivinhava que isto ia acontecer, mas a verdade é que nos apanhou descalços e nus.
Médicos e de enfermeiros têm sido louvados numa convulsão comum.; ando há dias para escrever sobre isto. Apesar de tudo os profissionais de Saúde estão a fazer uma coisa muito simples que desde ontem milhares de portugueses gostariam de também poder fazer: o trabalho deles. São remunerados e neste momento beneficiam da solidariedade do povo que lhes leva o pão fresco, os bolinhos e as refeições a custo zero. Estão privados das suas famílias por precaução, mas isto já estava previsto lá atrás no juramento de Hipócrates. Não se escolhe uma profissão nobre, é-se nobre na profissão. Certamente nem todos os cidadãos merecem os profissionais de Saúde que estão na chamada linha da frente, mas não tenho duvidas que nem todos os profissionais de Saúde merecem as palmas que lhes batem à noitinha nas janelas deste país. Neste país e nos outros, parece que já não se faz o bem sem a mão esquerda saber o que fez a direita, é preciso publicitar e muito; é preciso causar pena e chocar. É aí quando a vergonha também fica triste.
Faz muito tempo que os nossos profissionais de saúde se vão formando cada vez mais frios e mecânicos. Claramente esta situação é um choque para eles, mas também uma grande oportunidade de aprendizagem. Acho que estamos todos a viver uma altura importante para reflectirmos bem sobre algumas questões mais profundas.
Quanto à nossa classe politica, caiu entretanto no exagero do pavão. Ontem o senhor Costa foi ao programa da Cristina Ferreira, que eu não vi. Acho que não é hora, tenho a certeza de que tem tanta coisa bem mais urgente que fazer. Já para não falar nas constantes faltas que denunciam a ausência do rigor de um trabalho que nesta altura devia ser só sério: de manhã um diz põe máscara e de tarde outro diz tira máscara, entre outras inacreditáveis exposições de confusão e falta de conhecimento. Confesso que começa a aborrecer-me esta sensação de estarmos todos fechados num zoo, e eles passam e entretém-se a ver.
O simples facto de saber que as crianças desprotegidas vão ser devolvidas a casa de agressores, em nome da luta contra o vírus, para mim significa o fracasso social total e absoluto.
É o COVID-19 e mais um dos seus sintomas: uma valente confusão mental.
(...)
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