Não são os outros, somos nós.

Eu continuo a ter expectativas sobre os outros, eu continuo a querer os cem por cento de entrega num mundo em que a maioria faz cinquenta por cento e está tudo bem porque fez a sua metade-parte-consciência limpa. Eu continuo a comover-me tanto com a fúria de Jesus à entrada do Templo, porque a sujidade nas pessoas adoece-me mesmo. Mas continuam a ser os outros a roubar-me a paz, não consigo pular esta pedra.

Esta semana sofri uma agressão grave, e chorei sozinha, descontroladamente. Percebo que já não falo com ninguém, não quero; e ao mesmo tempo isso entristece-me.

Sobre o que aconteceu, podemos não agradar a alguém mas isso não dá o direito de agredir. Mas talvez este seja só um caminho que eu tenho que percorrer, e um dia tudo faça sentido.

O covil de ladrões que enojou Jesus à porta do Templo é real, existe à porta de muitas portas que cruzamos todos os dias.

Para eles. Os meus pretos velhos, antepassados, que me acompanham.

Terapia - acto IV

Sobre a depressão

Sobre o caminho até ela. Sobre a falta de forças no caminho. Sobre o perdão que vou ter que pedir a Deus quando fechar os meus olhos para sempre.

Sobre a dura jornada em que descobrimos que somos mesmo sozinhos no mundo.

Quando um vê o outro triste, zangado, enfurecido, e não é capaz de dar um passo e dizer estou aqui, então já não está.

As relações falham ainda mais quando se finge que está tudo bem. Quando se espera que a onda passe, num total desinteresse e desamor.

(...)

S. João

No dia molhei os pés no mar, para fingir que estou viva. Na noite descobri que não me resta alegria de viver. É muito complicado chegar a esta conclusão e ter uma filha para criar.

Sobre crescer

Há esse lado da Vida, que eu sinto que é o que eu vim aqui aprender. A rir. A ser grata mesmo que o dia não saia do cinzento escuro a fugir para o preto. A ser simples. A ser quieta, calada. E essa é uma aprendizagem tão difícil quando não mora em nós. Mas sinto que estou perto quando faço esta reflexão. Sinto que é mesmo por aqui. Mesmo que tudo seja absolutamente difícil, a Vida há-de sempre valer a pena. A Vida há-de sempre merecer o nosso sorriso, mesmo na derradeira hora da partida. E eu sou tremendamente abençoada pela história que vivo, pelo corpo que me carrega, pelo país onde me encontro, pela Família que construo. É uma sorte muito grande, estar aqui e agora. Com a Maria e com o Luís. É uma sorte grande limpar retretes para depois assistir ao primeiro espectáculo de Ballet da minha filha. A Vida não é pesada, somos nós que carregamos o peso dos nossos pensamentos e por causa deles, por vezes sentimos que não aguentamos mais. Mas o caminho é leve e gracioso, tudo é uma breve brincadeira de esconde-esconde, se quisermos com gargalhadas e gritos de alegria pelo meio. Eu quero morrer uma pessoa grata por tudo. Pela bisavó escrava, pelo pai que nem tive, pela mãe que tenho, pelo Amor imenso que vou levar desta vida. Vou ficar em paz pelo que não me apetece fazer, porque eu também vim para errar, e para crescer.

E é curioso, porque quem me está a ensinar isso tudo, aos poucos e nem sempre de maneira pacata, é a minha filha Maria.

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Terapia - acto III

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Terapia - acto II

"Ninguém pode ser curado daquilo que não percebe que tem." 

Dr. César Vasconcellos, Psiquiatra

Sobre os milagres



Vocês acreditam? É nas mensagens mais simples que se interpretam os maiores sendeiros espirituais.

Nunca plantei Gladíolos na minha vida. Mas nasceu um nos vasos da minha varanda. Deu-nos flor o ano passado, e voltou a dar-nos flor este ano. Como foi um presente inequívoco de Deus - com a ajuda dos pássaros -  fui ver o significado desta flor:

Caracterizado pela sua longevidade e resistência, o Gladíolo é considerado a espada mais esbelta e florida do seu jardim. Originário de África está associado a força, integridade, elegância e respeito profundo pelo outro.

Deus plantou uma espada bonita no meu jardim, talvez para que eu não me esqueça de que massa é feita uma verdadeira guerreira. Nem sei se mereço tanto. Mas estou profundamente grata porque Ele nunca desiste de mim, mesmo que algumas vezes eu própria desista.

A minha oração-guia

 


Terapia - acto I

Talvez nunca consiga explicar - nem tenha explicação - este meu sentimento de falta de pertença. Acho que a minha mãe me criou bem mas muitas vezes está longe daquilo que eu concebo como comportamento maternal. Tenho que lidar constantemente com egoísmos que não compreendo e aos quase 50, curiosamente dói mais do que antes. Um pai que viveu sempre à margem de mim. Irmãos fechados no seu próprio mundo. E irmãos que mal conheço que se querem aproximar e não me apetece. O pai da Maria, que inventa todos os pretextos do mundo para não casarmos. Nunca foi o meu sonho, mas incomoda-me que também ele me queira num ir querendo meio á toa. São muitos afectos falhados. Menos a Maria. A Maria não tem explicação. Compensa um planeta inteiro de gente sem corações a bater forte.

(...)

Apesar dos meus altos e baixos

tudo flui.

Posso?

Pelos comentários aqui e ali, parece quase unânime que alguma coisa não está a ser bem gerida no que diz respeito à Imigração em Portugal. Concordo com muita coisa, mas nunca com xenofobia e violência. Sinto vergonha e tristeza quando alguém se superioriza perante a diferença do outro. Acho incrível esse ser um bom argumento para votar no Chega. Aliás sobre isso, eu confesso que estou como o tolo no meio da ponte, porque não me identifico com nenhum dos candidatos.

Vi esta manhã o vídeo dos dois rapazes indianos a serem agredidos na baixa do Porto. E fiquei seriamente preocupada que coisas destas aconteçam às claras, que nem sequer haja mão dura para semelhantes actos de violência. Da mesma maneira que fico chocada por saber que dois indianos perseguem raparigas à noite que circulam sozinhas em autocarros porque vêm de trabalhar em turnos nocturnos, numa cidade que foi sempre pacata. Alguma coisa está seriamente mal.

A verdade é que tudo me choca, ando em modo de ferida aberta. No outro dia levamos a miúda às piscinas e vi famílias inteiras obesas, aliás era quase um parque aquático cheio de gente obesa. E dá a sensação que o mundo agora é cada vez mais isso, o lado do excesso e o lado da escassez. E está tudo excelente, desde que não se faça parte do lado da escassez, mesmo que depois se morra com um ataque cardíaco fulminante porque o corpo não pode mais com 120 kg de peso.  A carrada de miúdas novas e giras que se estão a encher de botox e tratamentos afins, porque na realidade ninguém gosta de se ver ao espelho e por mais que isso diga muita coisa sobre o ser humano dos nossos dias, o que interessa é que esse é um fenómeno rentável. E eu estar para aqui a escrever sobre o que penso e sinto incorre num atentado às liberdades alheias e é isto o nosso momento actual. Criar um filho num mundo tão fortemente desregulado, é praticamente uma garantia de que em algum ponto do caminho o vamos perder. 

E nas relações pequenas do dia a dia, sinto demasiada animosidade nas pessoas. Mesquinhez, um toma lá dá cá constante, machismo surreal!, invejinhas e maledicências, uma falta de educação brutal, uma escravidão ao dinheiro que hoje é a vela dos altares da maioria das pessoas, e um egoísmo e uma indiferença que chocam. Nas famílias, nos trabalhos, no bus, na fila do supermercado. 

E o que me assusta mesmo em mim que não sou nenhuma santa nem para lá caminho, é o meu cansaço perante todas estas coisas. Uma sensação de que não pertenço aqui, de todo. Ao ponto de já nem gostar de debater assunto nenhum com ninguém. Talvez precise de me focar mais no lado B da vida. Esse lado cada vez mais pequenino, que em alguns dias já só se encontra se andarmos em modo lupa.

(...)

Os mistérios simples da vida

Tudo desalinhado cá dentro. E de repente, do nada, ouvir a voz da minha filha a cantar Hakuna Matata.

Coisa mais linda e poderosa.

Sobre o Amor

Memórias



Nunca nos apercebemos da maior felicidade dos dias. Ás vezes é quando eles são todos iguais, quando nos parecem aborrecidos, que a Paz é maior em nós. Só mais tarde conseguimos avaliar como tudo foi bom ou importante. E nunca será sobre os lugares, será sempre sobre as Pessoas.

Tem sido assim

Basicamente a deixar-me ir com a corrente. Sem muita força anímica para fazer braço de ferro com gente teimosa - às vezes acho que a minha filha veio educar-me nessa capacidade de "let it go" que não é grande em mim. Mas tenho-me sentida vencida por uma espécie de cansaço, e fica mais fácil ficar calada e deixar acontecer. Sinto uma intolerância grande mas silenciosa, a gente má, a adversidades provocadas, à teimosia por egoísmo. Talvez seja só uma boa defesa num estado limite, ou por fim algum laivo de sabedoria aos quase 50.

Na verdade, eu sou um grão de pó. E o que importante é o aqui e o agora, foi o dia esplêndido que a Maria passou nas piscinas, foi o primeiro grande esmurrão dela nos joelhos (escusava de ser no dia da criança!), são todos esses momentos raros de silêncio e sossego, é a casa limpa e arejada (gosto muito), é voltar a ler (porque já antes, muitas vezes, foram os livros que me salvaram de muitas coisas e de muitas pessoas, presentes e ausentes).

A vida é mesmo uma coisa muito breve. Os dias mais difíceis ainda estão por vir. Quero só estar sossegada, e ser feliz na minha concha cheia de mar e amar, onde só cabemos os três: eu, a Maria e o Luís.

(...)