Do baú


Gosto tanto de ouvir esta musica em dias de chuva.
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Blossom

 


Dá para acreditar que esta begónia tenha a minha idade? Tem. A florir hoje com esta intensidade e beleza. 

Plantas sobreviverão às guerras, e aos Homens.

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A terapia de cada um








A minha é ter um bocado de tempo; pode ser uma boa mão cheia dele. Caminhar a pé pela cidade, apaixonar-me perdidamente por ela em cada percurso repetido. Ficar refém das imagens, das surpresas em cada canto. Tomar um breakfast sozinha, naquele sitio giro cheio de fotografias de um Porto velho, e de candelabros antigos, no meio de japoneses e brasileiros, com sincero pesar por quase não encontrar portugueses. Tomar um café da manhã a ouvir fado, com alguém ao lado a entregar-se por inteiro a um vinho do Porto e um pastel de nata. Sim, de manhã cedo; e porque não? Perceber a paz das pombas, a alegria dos tons quentes da folhagem nas árvores. Cruzar com miúdas adolescentes sem guarda-chuva a tocar às campainhas e fugir. Pensei que já ninguém fazia isso, já ninguém brincava a ser feliz com palermices pequeninas. E elas corriam depois, e riam alto pela rua fora.

Com o mundo tão cinzento, é mesmo preciso sairmos e respirarmos a plenos pulmões. Deixarmo-nos inundar pela vida pulsante lá fora, para não estagnarmos por dentro.

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Debaixo de chuva

De uma chuva certinha, daquelas sem dó nem piedade. A chegar ao colégio da Maria, cruzei com o pai do Artur. O Artur vinha ás cavalitas do pai, que trazia um guarda-chuva gigante elevado a um metro acima da cabeça; portanto o Artur às cavalitas vinha bem protegido. Aquele pai só ia a fazer a maior acrobacia digna de um verdadeiro show. E o Artur era só o menino mais feliz do mundo a chegar á escola. Uma imagem cheia de Sol.

O poder transcendente do Amor incondicional dos pais é a coisa mais incrível e bonita.

A quem eu daria um abraço muito apertado hoje

Ao nosso querido António Guterres.

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Dias de um mau sabor de alma. Deve ser por saber que a guerra lá fora continua feita de uma hipocrisia que já contaminou este mundo faz tempo. Que tantas crianças inocentes como a minha, estão encurraladas, sem saída. Deve ser pelo medo do pensamento mesquinho de que um dia chega a nós. Pelo pavor de perceber que a vida de tantos há-de sempre depender da decisão de tão poucos. Um mau sabor de alma também pelas coisas mais pequeninas. Pode ser por esta vida sempre tão incerta, por aprendermos à força a viver remediados: um dia de cada vez. Porque ficamos sem carro esta semana. Porque apanhei a primeira molha da new season. Porque nada de férias à vista e só me apetece hibernar como os ursos. 

E fico-me pela salvação que me chega do prazer renovado de quatro tragos de um bom vinho tinto. Pelo ronronar da minha filha e do pai dela num sono profundo a meio da noite, enquanto eu estou de olhos abertos no escuro. Fico-me pelo simples aconchego dos pés quentinhos; pela magia daquela hora boa do fim do dia em que chegamos a casa e estamos finalmente os três juntos. Fico-me pela alegria incontável de partilharmos uma maçã pequenina depois do jantar.

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Minha pequena Maria

Tenho tantas coisas para escrever sobre ti filha. E na correria dos dias, não o faço. Mas é importante encontrar este tempo e este lugar, onde eu posso expressar as minhas duvidas, dificuldades, acertos, ideias. Ser mãe não é fácil, mas criar um filho é que é o verdadeiro desafio.  É através de ti Maria, que percebo o que poderia ter sido melhor na minha infância, foi depois de ti que deixei de idolatrar a minha mãe e consegui sem remorsos nem mágoas assumir com carácter definitivo e sem retorno a ausência do meu pai. Não vim a este mundo para julgar ninguém, não vim para fazer mal a ninguém. Mas ainda hoje após uma hora inteira (na vida de uma pessoa que não tem tempo para as coisas mais importantes) a ouvir a minha mãe lamentar-se de uma vida que ela viveu e escolheu, sem por nenhum momento interromper a conversa para me ouvir ou pelo menos perguntar se eu, nós, estávamos bem; percebi que é apenas isso mesmo: a vida dos outros. O mundo interior de cada um. Aspectos que aprendo a controlar e a deixar fora da minha aura que a cada dia se torna mais impermeável a algumas pessoas e circunstâncias. Mantenho o amor e mantenho a preocupação, mantenho sobretudo a gratidão; mas não carrego mais pesos que não são meus. E o que acontece é que muitas vezes já nem partilho as pequenas alegrias do meu dia a dia: ficam só nossas. Eu tu e o papá na nossa bolha de Amor. Porque a vida tem-me demonstrado que não posso ser imensa nem repartir-me por vinte realidades próximas. A minha realidade é esta, a nossa casa, a tua educação.

E sobre a tua educação, tenho que te pedir desculpa. Porque digo a toda a gente que és uma rebelde e que nem sei a quem sais. Não vou fazer mais isso. Porque não é verdade, porque tu ouves e assumes que é isso que a tua mãe vê em ti. Tu és uma menina com muita atenção e mimo, penso que estás a crescer com excesso e isso preocupa-me. Fazes birras, atiras coisas ao chão, ás vezes dizes ao pai como se eu não estivesse a ouvir "A mãe é maluca." Mas és uma menina cheia de personalidade. Não dás beijos a toda a gente, não és carinhosa a tempo inteiro. Mas és muito atenta e especial nos detalhes. Abraças-nos do nada, fundo, apertado. Dizes que nos amas quando te apetece, mas dizes com as palavras cheias e o olhar a brilhar. Suspeito que deves ser a criança mais feliz do mundo, de sempre. Queres lá saber dos brinquedos, o que tu queres mesmo é que nós brinquemos contigo, até pode ser com uma bola feita de um papel amachucado. Com apenas três anos, na noite passada rezaste assim: "Jesus primeiro quero que cuides de ti está bem? Depois cuidas de mim e da mamã e do papá." Com apenas três anos dizes-me que queres crescer depressa porque queres ir para a escola sozinha. E ficas feliz com dias de chuva torrencial, porque abrir o teu guarda chuva da Minnie é a coisa mais fantástica desta vida para ti. Aos três anos já sabemos que queres uma mota (não, não e não) e um jipe. Perguntas-me algumas vezes porquê que os meninos no recreio te dizem que não podes jogar à bola com eles. És tão parecida com o teu pai que ainda hoje dou comigo a pensar que és tu a chave deste milagre que tem sido a nossa história de Amor. 

Gostava que gritasses cada vez menos, mas que não percas a voz. Gostava de encontrar uma forma saudável de te levar a ter vontade própria em comer menos gelados e passares menos horas com o ipad. É tão difícil levar-te a contrária, e eu percebo que em algum ponto do caminho já sou eu e o pai a falharmos. 

Mas quero que saibas que vamos ser sempre os teus melhores amigos. Tu nunca serás sozinha nem terás que carregar com mundos alheios que não escolheste. Vamos amar-te sempre, para além da vida e da morte. Porque para nós, todos os dias estás acabada de chegar às nossas vidas; és tu a nossa pessoa preferida no mundo inteiro.

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enquanto os sinos dançam, chora a catedral

Um comboio de tempestades

É o que chamam hoje ao Inverno rigoroso, ou se quiserem a um Outono tardio mas potente, num país onde muito facilmente Outono e Inverno se misturam e se confundem.

As estações estão mais agrestes, e nós continuamos a não nos preparar para o que vem.

De resto bem vinda querida chuva, querido Outono, querido Inverno à espreita.

Exercicio mental

A vida não nos deve nada, não mesmo. Não a nós que temos a sorte de viver neste cantinho do mundo onde ainda há alguma paz. Dou a volta às contrariedades dos meus dias e não é fácil mas foco-me nos meus amores: em amá-los mais e melhor. 

Estranhamente tem sido muito mais fácil assim.

A vida é um acto de persistência

Das coisas mais bonitas: a minha sobrinha trabalha hoje, no lugar onde nasceu.

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Sobre as guerras, sobre mais uma guerra

É cada vez mais dificil acreditar, ter esperança. O mundo está cheio de ódio. Não compreendo nem quero compreender nenhuma razão para tantas mortes.

Promessas a mim mesma

Nunca mais me queixar de nada. A ninguém.

Não tratar a Maria como uma adulta, não exigir dela que aos três anos seja crescida. Não escurecer o caminho da minha filha porque não é esse o papel de uma mãe.

Nunca mais elevar o tom de voz.

Ficar quieta. Deixar vir a tempestade.

Acreditar em mim. Ser eu o meu colo.

Fim de semana juntos



Sea Life

Aprendemos que o polvo tem três corações. Mostramos à pequenina o que existe no fundo do mar que ela ama tanto. Tivemos tempo para nós, para as birras insuportáveis da nossa Maria (esperança de que sejam só os famosos terríveis três). Tivemos tempo para partilhar. Para por alguma ordem nos básicos para a semana que amanhã começa. Consegui ler um livro novo à minha filha, e conversar com ela sobre a importância e beleza das quatro estações. O pai cozinhou para nós. Dormimos, tomamos banhos demorados.
Descobri que estou desesperada por férias.

Acho mesmo que o que faz falta às famílias é tempo e liquidez financeira. Não é que isso resolva tudo. Mas faz toda a diferença.

Finalmente a chuva

Tão bom. Dias a ficarem de mansinho cinzentos. Como deve ser.

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Flash

 





O amor é o invisível no habitual.
Agustina Bessa-Luís

A torre

Outra vez neste ponto do caminho.

Às vezes acho que sou eu. A que me atropelo, na pressa de fazer o que me parece o certo. Sou eu quem não para nos patamares para respirar e enxergar melhor o resto do caminho. Sou quem quem soma mais compromissos a todos aqueles que já não consigo cumprir.

Não tenho tempo. Para mim, para um banho demorado, para uma manhã inteira a dormir, para uma caminhada pelo parque sozinha. Não me lembro mais dos aniversários, não encontro tempo para visitar aquela amiga numa cama de hospital. Vou pelas ruas e só desejo não encontrar conhecidos.

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Para a minha filha


O meu Amor maior.

Agarra-te à Vida

 

beleza na beira dos caminhos de ruas sujas e poluídas

e quem foi que morou ali?

enormes fatias de um céu vibrante, desde a janela da nossa cozinha

Always choose the bright side of life

E como não somos pais perfeitos

A Maria assistiu à nossa primeira briga. 

A reação dela foi de maturidade, de inteligência. A demonstrar muita doçura no amor que sente pelos dois. Ela é pequenina demais para se preocupar com gente crescida. E nós somos crescidos demais para levar raspanetes com razão, de uma menina de apenas três aninhos de vida.

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Saúde mental

 


Bem pior que o estigma, é certamente o abandono.
Vivemos num mundo em que toda a gente só quer comer maçãs brilhantes.
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Reunião de pais

No fim ganhamos uma dinâmica. Um jogo feito no silêncio, no qual uma caixa pintada passava pelas mãos de cada pai e ao abrir, cada um deveria reflectir em silêncio sobre o que estava dentro. A Educadora começou por fazer uma introdução dizendo que dentro daquela caixa estava algo muito importante para cada um dos nossos filhos.

A roda era grande, não sei como e acho muito bem mas ainda há casais que conseguem ir juntos a estas reuniões. Fiquei curiosa. Observava os pais por onde a caixa ia passando, e se uns abriam a caixa e ficavam parados a olhar e ás vezes até sorriam, outros fechavam imediatamente a caixa numa atitude quase de susto.

Quando chegou a minha vez, era um espelho que estava dentro da caixa. Quando abríamos a caixa, nada mais víamos que a nossa própria imagem. 

Tanta coisa para dizer sobre esta dinâmica. Um olhar mais profundo sobre a importância que temos na vida dos nossos filhos. Sobre quem realmente somos. Sobre a imagem que lhes damos, sobre a responsabilidade de os criarmos à nossa semelhança. Sobre a verdade: se estamos a fazer bem as coisas ou não, se estamos a fazer o melhor que podemos, se estamos felizes com o que estamos a fazer. Sobre sermos a árvore e sermos o jardineiro; e eles as sementes que lançamos, que precisam de ser cuidadas dia após dia, num enorme exercício de amor e resiliência.

Arrancou o ano lectivo e eu desejo que cada dia seja uma oportunidade de crescimento para todos. Para ela, e para nós pais também.

Minha querida filha

Minha pequenina. Este fim de semana o Outono brindou-nos com dias de Verão. Dias que os velhos dizem sempre que vamos pagar muito caro. Mas isso é depois. Agora a gente corre para a praia e faz de conta que o tempo parou num looping fantástico à volta daqueles dias mais felizes do ano. Tu e o pai, quem mais. Juntos na praia, a viver o teu mood permanente férias grandes. Porque tens o condão de viver feliz por tudo e por nada. Andas de metro e dizes: parece que estou de férias mamã. Entras no centro comercial e dizes: parece que estou de férias mamã. Comes um gelado e repetes a ladainha.

Obrigada amorinha. Por seres tão simples e tão facilmente feliz, por me ensinares que é a própria vida em si, inteira, toda ela uma bela fatia de férias grandes.

Significados


Continuo atormentada. Mesmo sabendo que apesar das minhas falhas, Deus não me falha. Tenho tido alguns pesadelos feios, acordo às vezes empapada em suor. Nunca falo das minhas angustias maiores como sendo tão grandes como a sombra de um lobo durante a noite. Porque acho - tenho a certeza - que os outros têm mais com que se preocupar. Dou comigo a pensar que este medo de perder tudo é só a herança de um pai que nunca me quis.

Perder tudo: oportunidade de fazer de novo, de fazer melhor.

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Segredo

Concorri a um concurso de fotografia sobre Saúde Mental.

Sabemos que o Natal se aproxima

Quando a televisão nos anuncia os primeiros bombons da Ferrero. Hoje nem queria acreditar. Já?