A minha casa no mundo


a sorte grande de morar no coração do Porto

A cidade está cada vez mais clean. Cada vez menos sombria, mais cosmopolita, menos nossa. Gosto da cara lavada que agora tem, mas não gosto do meio termo que não tiveram interesse em não ultrapassar. Portugal é pequenino demais para uma mudança tão drástica em tão pouco tempo. E os portugueses, os portuenses neste caso, deixaram-se arrastar com a corrente forte demais. Nem as gentes do norte que são conhecidas pela sua bravura, conseguiram enfrentar este saque às nossas vidas. Vidas de quem cá vive desde sempre, de quem tem um trabalho para pagar um tecto e pouco mais. Somos cada vez mais o povo que vai de muletas, o povo dos subsídios e das ajudas. Quando projectaram a cidade para este futuro brilhante, esqueceram-se que o ADN das suas gentes, sempre foi uma das coisas mais bonitas e características da cidade. Estamos a ser enxotados. Todos os dias, de quase todos os lugares. Não temos acesso aos lugares mais bonitos, não temos carteiras para cá morar e desfrutar de alguma cultura mais selecionada. Acho que quem sair agora, não vai conseguir voltar mais. Porque esta cidade já não é nossa, e somos cada vez mais obrigados ao silêncio sob o risco de os nossos protestos serem mal interpretados por quem está ao nosso lado. Os estrangeiros dormem à porta da loja do cidadão e é um retrato que me apavora.
Está tudo errado. A única coisa certa é a beleza incomparável do Porto, que sempre foi bonito mesmo quando era anónimo. O Porto das manhãs de nevoeiro, das varinas em becos e vielas, do casario velho e triste da canção do Rui. O mesmo milhafre de asa ferida é o que agora empreende voos inalcançáveis para muitos. O Porto dos jardins e parques que sempre teve mas que agora ganham prémios que os distinguem a nível mundial.

(...)

Farei tudo o que estiver ao meu alcance para que a minha filha continue a viver aqui. É uma aposta emocional, sei que ela um dia vai amar tanto esta cidade como eu, quero pelo menos garantir-lhe essa oportunidade. É importante para mim que ela cresça num lugar bonito, com história e cultura, cheio de verde, com mar e rio. Mesmo que essa cidade comece a ser cara demais, e eu fique uma mãe mais pobre um bocadinho demais. 

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Porque não sei se conseguirei guardar para ela os entardeceres mágicos vistos da janela da nossa cozinha. Mas há mais janelas na cidade, e alguma há-de ser para nós se esse dia difícil estiver destinado.

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Talvez um dia lá mais à frente tudo isto seja para melhor. Se calhar são só as dores do parir de uma cidade nova. Deus sabe.

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