Cada vez me custa mais

Dominar o cansaço que alguns dias, algumas vezes, se apodera de mim. É uma coisa tão forte, tão fim de linha, que se eu não durmo, eu morro. E que me assusta. Porque é preciso manter a garra para assumir os compromissos que por aí vêm. Esta manhã a miuda chorou por causa de um episódio da Bluey, em que a familia ia ficar sem a casa. Foi a segunda vez que a apanhei em prantos ao ver o mesmo episódio. Eu e o Luís temos vivido mais ou menos só para ela, para o futuro dela, para espremer a laranja para que ela possa beber o melhor sumo possível. E para isso levanto-me muitas vezes às 5h da madrugada e outras tantas vezes chego a casa depois da 1h da madrugada. É muito pouco. Ando nervosa, exausta, com o vermelho sempre a piscar, e ela é muito pequenina para ter que lidar com pais intolerantes porque a vida está mesmo complicada. Tenho-me sentido uma má mãe e uma péssima namorada. Ando a embrulhar isto e sei que é sozinha que tenho que dar a volta.

Custa-me a mentira. A mentira fácil, essa mentirinha burra e fútil, só para escapar de nada. De descobrir que pessoas mentirosas também são mães e pais, louros e de olhos azuis, frequentadores de igreja e respeitados no bairro. E que somos obrigados a conviver e a sorrir-lhes. Ando sem pachorra para estas merdices da vida.

Custa-me perceber a falta de calma na minha filha. A minha tremenda ousadia em querer que ela floresça aquilo que nós pais não estamos a semear. A Maria teve uma avaliação excelente no Colégio. Mas em casa temos uma Maria muito teimosa, birrenta. Ás vezes penso que ela é um espelho nosso, e nem conseguimos perceber e ter calma também.

Custa-me cruzar com pais e filhos a cartar pertences encaixotados à pressa, pelas escadas deste prédio velho. As famílias são violadas a torto e a direito mas já é lugar tão comum que já nem espanta ninguém. Tivemos a sorte de ter um senhorio Senhor. Mas o mundo não somos só nós, e esta semana enquanto lhes segurava a porta da rua, entristeceu-me profundamente o olhar do menino com uma caixa de cds na mão, a ser assim expulso do sossego da infância. Depois a realidade alem fronteiras, que ainda consegue ser pior. Um pai de 30 anos, de Angola, a pedir por favor ajuda. Com 2 filhos pequenos só quer uma oportunidade para trabalhar noutro sitio e melhorar a vida dos filhos. "Eu faço qualquer coisa, trabalho no que for preciso." Mas não, não há uma mão estendida. Quem se atreve. Temos umas vidinhas tão de merda, e tanto medo de ameaçar o pouco que temos, que já nem conseguimos estender a mão aos outros. Eu não consigo e tenho esse pecado grande para um dia conversar com Deus.

No outro dia desci à baixa da cidade e fiquei assustada. A cidade deixou de ser bonita e ficou só perigosa. O mundo cresceu como uma criança obesa, a turistificação rebentou-nos pelas costuras. De repente eu voltei para quê? Quis tanto uma coisa que se calhar não existe mais. Ou sou eu que agora passeio pouco pela cidade e por isso desencantei. Queria apenas um canto sossegado. Queria poder dormir, sentir a brisa, caminhar descalça, deixar as janelas abertas. Queria ter tempo, queria gostar, sentir alegria e vitalidade. Queria apreciar os gatos, tirar fotografias aos portões antigos que já não há na cidade.

Mato-me a trabalhar, como a maioria das pessoas. Ás vezes punha o pé fora da linha cinzenta, e eram as gargalhadas dos patamares que me faziam ganhar fôlego para o caminho. Até que alguém me fez sentir que sou irresponsável e insana e idiota. Que giro mal os dinheiros e as emoções. Agora sei que a vida é um colete de forças. É preciso ir e fazer. Sem romanticismos. Mas dizer-vos que não gosto de mim assim. Que ando à toa à procura de um equilíbrio no meio desta minha nova realidade.

Custam-me os outros. Presentes demais. Ausentes demais. Pessoas estéreis de afectos, inebriadas de egoísmo. Às vezes apetece-me sossegar de todos, e não sei se isso não é vontade de morrer. Queira Deus que não.

Sinto em mim que nós gastamo-nos. Que se não tivermos cuidado o olhar fica baço por dentro. Deixei de gostar de comer, todos os instintos são apenas bulímicos e ando sempre afrontada e indisposta.  Nenhuma mulher sempre triste e cansada é bonita. Percebem?

Custa-me ter razão e não ma darem, custa-me desistir. Ir com a corrente sabem? É coisa de fracos e eu ando uma fraquinha dos diabos.

Falta tanto caminho. E eu sem forças para sair da névoa. Caos por dentro e caos por fora. 

Estarei doente?

Preciso urgentemente de uma Primavera para me salvar. Por sorte ela já dá sinais. Gosto de ficar à janela, mesmo com chuva, a ver os bichos lá fora. Como se movem sossegados, sem apertos como nós. Tudo está certo quando saio de casa às 6h da manhã para trabalhar e oiço os pássaros cantar. 

Acho que nos próximos dias vou fazer como aconselha o poema: lavar, arrumar, tirar o pó, fazer a sopa. Deixar que a poeira baixe e dias melhores cheguem.

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