Ainda sobre a procura do sentido


Todos somos feitos de raízes. Mesmo que sejam raízes pouco profundas, de solos arenosos, como as minhas. Aceitar, para poder seguir em frente.
Nasci com a Maria, e tudo o que importa verdadeiramente - a vida tem-me demonstrado que sim - começou nesse dia.

Da minha geração

 Gente gira

Sobre procurar um sentido

 

Tempos estranhos. Em que sinto cada ruga a formar-se. Em que cada gesto de desamor me faz virar a página. Não somos as histórias dos outros. Não viemos ao mundo para carregarmos fardos alheios.

Ficar em paz comigo talvez implique ser capaz de travar uma guerra com o mundo.

Mas

No meio de tudo isto, coisas boas (existem sempre coisas boas):

A Maria foi ver o filme sobre as emoções. Foi numa tardinha em que trabalhei, com a tia que ela adora com loucura. Saí à meia-noite do Hospital e cheguei a casa por volta da 1h30m. É sempre assim, com ela a dormir, fui à cama beijá-la. E tola de sono, de olhos fechados, disse-me:

Mamã sabes, a minha emoção preferida é a Felicidade

E foi assim que eu soube que foi um bom filme e uma tarde feliz. Aos olhos de uma menina dona de uma inteligência emocional grande.

(...)

Se algum dia me leres: 

Sabes filha, a minha emoção preferida és Tu

Muitas emoções

Os últimos dias têm sido uma espécie de montanha russa. Salvou-me uma ida a Fátima, para me lavar o coração em modo sobrevivência, e pô-lo a corar ao Sol. É a minha mãe e o pai que nunca quis saber de me cuidar a tratarem de um divórcio que não assinaram, e a meter toda a gente na alhada. Foi o reencontro com irmãos, mas de todos em especial com a minha avó Emília. Foi receber um telefonema com uma proposta de trabalho irrecusável, algo tão bom que iria mudar a nossa vida para sempre, basta dizer que íamos poder comprar casa no Porto, com os preços proibidos que se praticam no momento. E que eu recusei. Por razões impossíveis de negociar mas que me deixaram com um nó na garganta. É a casa em pantanas porque a minha mãe trepa paredes para me lavar até os tectos, parece que vai morrer a seguir e quer deixar-me tudo em ordem. É a Maria que só quer ver vídeos parvinhos e diz-me que quer uma roupa igual à da Wandinha, e eu nem sei quem é a criatura. Sou eu que choro a ver televisão. E que estou gorda e já me incham os pés numa simples ida a Lisboa. São muitas coisas, mas não me apetece escrever mais.

A Maria recuperou bem. Não ficou com o rosto pisado como me disseram que podia acontecer, não vomitou, nem sequer chorou. Já come tudo com normalidade. E nunca mais ressonou.

Véspera


Ontem à noite parecíamos três palhaços alegres cá em casa. Dançou o shake it off até não poder mais, o pai deixou que comesse dois gelados. Estivemos os três sentados na varanda, a ver o luar. O amor é isto, é sermos capazes.

17

O teu número filha, o nosso 8, constante na nossa história. O dia em que nasceste, o número do quarto que te atribuíram hoje no Hospital. Serena e sorridente, foi assim que entraste para o Bloco operatório.

Estou aqui sentada, à tua espera. Não consigo rezar, nem ligar a ninguém. Sinto como se a vida parasse. Não há nada agora, nem fome, nem sede, nem choro.

(...)

Pequenos raios de Sol

Não sei como, mas tenho-me aguentado. Ao fim de uma semana dura de oito dias seguidos de trabalho, com apenas um dia para descansar, acordei a sentir-me toda eu um pedaço de cartão velho, com as mãos cheias de formigueiro e hoje com a cara inchada. Faltam-me dois dias de trabalho, não para descansar mas para poder concentrar-me na cirurgia da Maria. Ela é um anjo, nem dá pelo que por aí vem, por mais que já tenha conversado com ela sobre a cirurgia. O Luís foi um querido este fim de semana, só faltou carregar-me ao colo. Não tenho tido tempo para pensar em tristezas e afins, o que estranhamente tem dado espaço para que surjam alguns raios de Sol cá dentro: dizem que em tempos de guerra não se limpam armas e tenho vivido em modo de ação, sem margem para mais. E de resto a minha mãe está a chegar para ficar connosco cá em casa cerca de um mês e meio.

Vai tudo correr bem.

O meu Sabina


Herança de um amor que nem chegou a ser. Está velhinho. Continua um poeta sábio. Adoro.

Com a casa às costas, horários absurdos no trabalho - pelo menos para quem tem uma criança de quatro anos - e a cirurgia da nossa filha à porta, confesso que não tenho tempo para pensar em nada, nem sequer na tristeza que às vezes toma conta de mim. Sei que estou exausta física e psicologicamente, e sei que a noite no cadeirão do hospital a ver a minha filha prostrada, provavelmente vai fazer desabar o telhado da casa que sou eu. Não quero medicação, quero mar e verde, quero caminhadas, quero ler, dormir sestas, quero ter tempo, quero poder organizar os meus dias. Mas tudo isso fica para depois. Julho vai ser mesmo um mês intenso.

Que Deus nos proteja.

É isto

A minha filha

Tem sido a minha alegria profunda, o meu boost de joy and happiness.

Terminado o ano lectivo, assitimos ao primeiro espectáculo de Ballet dela numa bilheteira paga. Ontem foi vez de assistir a uma aula de inglês e foi demais! A miuda porta-se bem, é responsável, cumpre regras, sabe as matérias direitinho. Vale tudo a pena, por ela sim. 

Claro que em casa, parece mentira que é a mesma menina, mas temos o modo Chuckie algumas vezes. Nos últimos tempos ganha-nos dez a zero constantemente, porque andamos tão exaustos e ela cada vez melhor nas birras que garanto-vos moem a paciência até a um santo. Mas que seja sempre assim, a versão difícil dela em casa e a melhor versão na escola. Para já e que em boa hora o diga, temos muita sorte com esta pequena maravilha de Deus chamada Maria.