Expressão da minha terra que significa coisas tão diferentes e opostas como repugnância, enfado, surpresa, alegria, alivio, espanto. Expressão que me lembra a minha avó e me une à minha África-berço que não conheço. Uma palavra inteligente, que obriga a interpretar por inteiro a frase, incluindo a entoação e o sorriso ou a interrogação que dela fazem parte.
Uma gravidez, um pós parto, os primeiros tempos da criança, podem bem ser uma avalanche na relação. São as hormonas que ainda tentam ressuscitar, é uma boa dose de incompreensão que não dá para compreender, é o corpo a nunca mais ir ao sitio e os outros corpos todos a rondar, é o sal e a pimenta a não se ajustarem à dose, é a prova de fogo ao desejo maior entre um homem e uma mulher.
É ao mesmo tempo a grande oportunidade de o Amor virar bandeira. De a casinha da gente virar bunker. De conhecermos realmente quem escolhemos para nos acompanhar.
Se houver Amor, o resto vem, o resto volta.
E Agosto vai rolando
A minha filha completou sete meses, e a cada segundo o meu coração ganha dimensões novas para caber cá dentro tudo o que sinto por Ela. Ela, a minha Pessoa preferida no mundo inteiro.
Trabalhei seis dias seguidos, com considerável intensidade. Uma espécie de prova de fogo perante os dez quilos que ainda quero perder. Trabalhar faz bem. Faz o tempo passar, sana o pensamento, devolve-nos a uma certa orientação. Por mais cansada que me sinta, trabalhar faz bem.
Continuo a nem sempre saber proteger-me das energias alheias. Continuo a ficar muito sentida com coisas pequenas, com coisas passadas. Continuo a querer fazer o mundo dos outros mais fácil, mesmo quando sei que o meu vai ficar mais difícil. Continuo a esconder quando fico profundamente triste ou decepcionada.
Tenho-me lembrado de coisas parvas estes dias. Encontrei uma conhecida no supermercado, mãe recente de gémeas. Sobre a médica lhe ter falado em depressão pós-parto, dizia-me em tom tão despachado Eu?! Não tenho sequer tempo para essas coisas! Como se fosse imune, como se fosse superior, bem superior, a toda essa cambada de mulheres caprichosas e desocupadas. Talvez eu seja uma delas.
Chegaram os primeiros abençoados dias de chuva. Tão bom. Como banhar-me por dentro.
(...)
Sobre o papel principal
Tenho feito bem as coisas com a Maria.
Mesmo assim, todos os dias me pergunto se estou a saber ser uma boa mãe. Se posso fazer algo diferente com ela, algo melhor. Acho que me vou questionar sobre isso o resto da minha vida.
Bom dia Vida
O mundo segue cheio de paradoxos. Torna-se cansativo o desinteressante que nos estamos a tornar enquanto raça, sempre envoltos nas mesmas teias emaranhadas, sempre a tropeçar nas mesmas pedras, sempre com os mesmos dilemas tão pequeninos num mundo tão vastamente grande.
É isto de sabermos que uma carga tão perigosa fica simplesmente esquecida num porto durante sete anos, até que meio milhão de pessoas fica sem casa por causa disso. Torna-se insuportável a quantidade de gente incompetente com cargos de responsabilidade neste mundo.
É absolutamente desgastante que cada vez mais por cada pessoa encantadora que encontremos no caminho, tenhamos que primeiro suportar uma centena de pessoas deselegantes e despreocupadas.
É Verão, Agosto, férias, quando eu era miúda dizia-se e sentia-se férias grandes. Não sinto nada disso faz muito tempo, ando demasiado cansada para farejar dias a saber a férias.
Peço-te Vida, força interior para ultrapassar este Agosto; só isso.
(...)
Fazer o bem faz bem
Faz mesmo. Sobretudo quando fazemos o bem a quem amamos. Quando sabemos que estamos a cuidar dos nossos pais, dos nossos avós, dos nossos sogros. Dessa gente que não, não é eterna.
Estes dias vamos ter a minha mãe cá por casa. Não estávamos juntas desde que nasceu a minha filha, há quase sete meses. É certo que o mar entre nós as duas é apenas um copo mal cheio de água, mas tê-la tão perto, sentir-lhe o calor da curva do pescoço quando a abraço, sentir-lhe o cheiro tão dela já misturado com o de fumadora crónica (não vale a pena, só assim reconheço a minha mãe), ouvi-la durante horas falar sobre coisas que às vezes nem me interessam muito - mas ouvi-la -, sentir-lhe os passos às seis da manhã, tudo isso junto dá-me chão, dá-me casa.
Está tão assustadoramente magra, a ficar tão velhinha a minha mãe.. A íris dela perdeu vitalidade, está a dar-se ao luxo de fazer coisas que fazem as crianças, como birras, amuos ou preguicite. É chata e descarada tudo aquilo a que a vida por estatuto lhe dá o direito.
Eu sinto mãe, que chegamos ao ponto do caminho em que o tempo nos está a ultrapassar na corrida. Dou comigo a pensar que não vai ser sempre assim. Ando muito cansada, mas vou ser forte o suficiente para fazer contigo durante uns dias o que faço a tempo inteiro com a minha filha: dar-te muito colinho e encher-te de mimos.
O Amor é para se dar no tempo certo.