Está tudo bem

Percebi sem dramas - e com espantosa aceitação - que nunca vou fazer o Doutoramento com que um dia sonhei, agora que estamos a pagar o Colégio da Mary. Foi algo que quis muito, sempre me senti talhada para estudar, sempre gostei. Mas a vida é isso mesmo, um constante redefinir de prioridades. E para que não haja duvidas, escolher ter a minha filha num Colégio privado, apenas faz de mim mesma a minha maior prioridade. O mais importante para nós é que ela esteja feliz. Essa é a primeira tarefa na qual quero ser bem sucedida.

E em três anos no Colégio, a Maria tem algo que eu só tenho memória de ter tido lá pelo nono ano: o meu grupo de amigos mais chegados. Quem sabe a Alice, a Inês, a Amélia e o Wallace sejam os amigos-irmãos que ela não tem. Quem sabe estas sejam as sementes necessárias para eu sentir um dia que parto e não a deixo sozinha. Se continuarem juntos até ao fim do liceu, quanta vida têm para partilhar! Poderão construir uma identificação muito coesa. Bem sei que às vezes irmãos que viveram a vida inteira juntos, não conseguem isso. E bem sei também que às vezes, de repente, conhecemos alguém que parece que vem junto connosco de muitas vidas atrás. Mas isso nunca é a tendência. A tendência é alimentar os laços para serem mais fortes, partilhar para crescer junto, confiar tanto ao ponto de um dia se poder conversar em silêncio. Gostava que a Maria conquistasse isso para ela e como pais sem qualquer garantia do Universo, procuramos não falhar no nosso papel de facilitadores. Lembro-me que me marcou muito sempre que mudei de escola e de certa forma, de amigos. Uma vez, é uma experiência. Várias vezes, é uma violência. A Maria cresce numa casa onde existe uma igreja, e em frente há um jardim cheio de camélias e acácias lilases. Só tem quatro, e já está com estes meninos há três. Muito mais tempo juntos do que primos e até irmãos.

São tolices, tolices precoces. Mas uma mãe pensa em tudo.

O meu retrato mais bonito


Foi feito pela minha filha Maria, aos quatro anos. É uma preta triste e forte. Bucólica, desleixada, iluminada por dentro. Uma mãe alerta em vésperas de lágrimas, pouco alegre, cheia de amor. Lábios grossos, nariz e olhos marcados. Flores mortas, mas flores.
Suspeito que o pai dela acha este retrato terrivelmente feio, porque eu quis colocar na parede junto aos nossos retratos de família e ele fez marcada resistência.
É a coisa mais bonita que eu já ganhei. Eu vista pelos olhos da minha Maria, eu a sentir uma coisa tão simples e rara: que pela primeira vez alguém me consegue ver exactamente como eu sou.

Natal

Querida mãe,

Estás demasiado longe e se calhar se estivesses perto continuarias longe. Mas por ti, um dia destes quando acordei para ir trabalhar, às cinco horas negras da madrugada vi luzes de um avião brilhar no céu breu, e fiquei pequenina. Aquelas luzinhas pouco definidas, e o avião a lembrar-me de ti, foram Natal.

Os dias mais bonitos do ano



Assim gelados. De um generoso céu azul. Dias cheios de Luz, num mês em que quase todo o mundo se prepara para tentar ser melhor. Só um bocadinho, só naquela noite. É muito pouco, mas é muito bom sermos capazes desse bocadinho. Porque o mundo precisa dessa energia colectiva, dessa força brutal de estarmos quase todos em sintonia em Amor e Esperança. Ainda que por tão pouco tempo.

Nós por cá

Árvore de Natal feita e sim é a mais bonita do mundo para mim. Nada de cor de rosa por inteiro, ou cheia de doces ou guarda-chuvas, ou toda azul, que nós gostamos muito da tradição. É mesmo uma árvore de plástico bem velhinha (há-de ser para a Maria um dia, se ela quiser), cheia das luzinhas e das cores que eu mais gosto no Natal: vermelho e verde. Tem presentes, quase todos para a Maria. Nenhuma loucura, ela é feliz com coisas pequenas e o meu grande desafio é que ela cresça assim.
Um presépio bem simples mas com muito significado.
E já assisti a uma missa de Natal! Foi muito bonita. Desde que saí da missa sinto-me mais esclarecida. A mensagem é que o Menino Jesus que celebramos, nos pede Alegria, Amor e Esperança. O mundo está vazio de alegria e esperança. Não são só palavras, é um enorme e sério desafio para cada um de nós: praticar todos os dias de 2025 estas três sementinhas que podem salvar o mundo.

Sei que sou mais pobre em Alegria, é nela que vou procurar investir mais.

Dezembro a todo o vapor

O meu Amor fez anos: 47.

Gostava que todos os homens bons do mundo fossem tão amados como é o meu Luís. Ele é o meu melhor amigo, o meu companheiro, um amante maravilhoso, teimosinho como uma mula e uma espécie de tio patinhas em relação ao dinheiro, mas de resto é gato, é divertido, é meigo, é só assim o melhor pai que conheci na minha vida inteira e digo-vos que só essa característica já me faz a folha por completo. Ele é a minha identidade por dentro, sinto que lhe pertenço para sempre. Não somos casados, somos namorados. Doa a quem doer.

A minha mãe também fez anos: 64.

Ela é a minha única referência, antes da chegada do Luís. Zangamo-nos algumas vezes, tem um feitio difícil e eu também. Mas sei com a certeza absoluta que em alguns momentos muito particulares, ninguém me amou como ela. É bonita, é dramática, é corajosa. É única. Descobriu agora que o tetravô era Conde.

(...)

A Maria acorda todos os dias com a mesma pergunta: é hoje o Natal? Respondo que não e avança para a pergunta seguinte: é amanhã que faço anos? Significa que vou ouvir uma pergunta mais 7 dias e a outra mais 32 dias. E é assim que começamos a crescer familiarizados com a ansiedade, essa tramada que faz tanta gente adoecer a sério.

Conversas comigo mesma

Tenho muitas saudades do Nelo, muitas muitas. E tenho o coração suspenso pela Cristina.

As nossas pessoas nunca deviam ir embora de nós. Quem diz que não vão, mente ou não sabe. O que fica são só as memórias e as saudades. Sempre que passo em frente ao Hospital aquele muro onde estivemos sentados à conversa um dia, faz-me estremecer. É como se ao partir alguém nosso, a nossa própria vida fragmentasse. Há um antes e um depois; e nunca mais nada será igual.

Ele ainda cá estava em Dezembro, partiu logo a seguir. Ela ainda cá está.

Há tanto sofrimento, tanta gente doente, tão doente que não consegue sequer urinar ou defecar como coisa banal. Tanta gente que luta e brilha mesmo quando já está desenganada pelos médicos. É por isso que sei que peco todas as vezes que me permito ser pequenina e fazer birras e amuar com a vida.

Ser alegre alegre, não é da minha natureza. Mas eu devo procurar estar bem. Porque Deus deu-me a benção de poder desfrutar o hoje, sem dores, com oportunidades. Todos os dias ao acordar devemos escolher a alegria; toda a que formos capazes de sentir, de viver e partilhar.

Porque vai chegar a nossa vez.

Frio

Finalmente.

Com os dias gelados chegou a sensação de normalidade. Isto sim é Dezembro, o mês do Natal. Hoje ouvi uma senhora de muita idade, com artroses nas mãos e pele muito enrugada, de lenço na cabeça como ainda se usa nas aldeias de Portugal, dizer que fazem falta as geadas. Tudo chega mais tarde mas se a terra e as plantas e os animais se adaptam, nós também seremos capazes.

Amanheci com vontade de mudar a vida: é o reset de mudança de ano. O certo é que passei toda a manhã a tratar das plantas, a mover os vasos de lugar, a fazer mudas, a podar. A desfazer-me do velho e abrir portas ao novo. Comprei uma fita vermelha para a nossa arvore de Natal. E um pai natal íman para a porta do frigorifico, quero olhar para ele todo o ano: I still believe in Santa.

Dezembro

 





Feito de outras coisas também
De amor
De pocinhas de água
De Outono
De luzes
De risos de alegria
De caminhos
De pássaros que ficaram
De Fé

Modo salvamento


Nos últimos dias sinto vertigens. O tempo não chega para nada, ainda menos do que o dinheiro. Quanto menos capacidades físicas sinto ter, mais preciso de correr. Faz-me confusão a loucura do transito a anunciar o Natal, as filas de gente em todo o lado. Os ricos em modo zen a gritar aos quatro ventos que o mais cool é não oferecer presentes, os pobres cada vez mais consumistas e ninguém é tão rico que os consiga compreender. Os jantares de Natal, que haja pachorra! Terrível não encontrar com quem manter uma conversa interessante, alguém que fale e escute. Dezembro desgasta-me profundamente mas já não é só isso. Não sei como recuperar a alegria, estou demasiado cansada para qualquer coisa. Olho para o Luís e para a Maria, e tenho tudo. Mas falto eu. 

(...)

Esta manhã ouvi sem querer esta musica tão brega, mas que diz tudo.