Aca
Expressão da minha terra que significa coisas tão diferentes e opostas como repugnância, enfado, surpresa, alegria, alivio, espanto. Expressão que me lembra a minha avó e me une à minha África-berço que não conheço. Uma palavra inteligente, que obriga a interpretar por inteiro a frase, incluindo a entoação e o sorriso ou a interrogação que dela fazem parte.
Aos quatro anos
Estive lá
A ultrapassar
Há muito tempo que lido mal com a falta de amor. Com a falta dos outros. Com a angustia que me causa não se importarem. Com o perceber que se eu não mexer as minhas palhas, ninguém mexerá. Com nunca me sentir aprovada em nada, a sinalizar bem todas as frequentes vezes em que alguém verbaliza reprovações em relação à minha forma de ser e de estar na vida. É como se tivesse um vermelho que pisca e dispara sinal sonoro cada vez que alguma coisa me diminui. E porque não poderia ser de outra forma, só tem poder de o fazer quem permitimos ficar perto, ou ficar junto. Para cumulo sou uma sensível até à medula, sou a que vê um avião passar ao longe e chora, o que torna qualquer incompatibilidade na Torre. Quando era miúda achava que um dia ia conhecer alguém que gostasse apaixonadamente da minha forma de ser, dessa terrível sensibilidade que vista de algum outro prisma poderia ser uma qualidade. Hoje sei que não é assim.
Tenho tentado repetir baixinho cá dentro que isto não é sobre os outros, isto é sobre mim. Os outros são e dão o que podem e o que querem, são natureza alheia. Culpar os outros, esperar dos outros, atrasa e estanca o crescimento que a minha alma pretende desta passagem. Devo conseguir manter-me eu, apesar dos outros.
Ficar bem porque sou casada comigo mesma. Porque conheci poucos psicólogos com vocação como sei que tenho. Porque seja qual for o emprego sei que me dedico totalmente. Porque sou escrupulosa na organização do dia a dia da minha filha. Porque não corro atrás das oportunidades, mas fui educada a não faltar ao trabalho por causa de uma gripe. Porque sou simples e gosto cada vez mais de ser assim. Porque tenho Fé, apesar de quase todos os dias fazer a derradeira pergunta de Cristo quando no desespero se sentiu abandonado. Porque sou pobre mas não sou miserável. Porque não sou alegre, mas não sou infeliz.
Um dia tudo perde a importância.
Algo que me desassossega
Isto de ser mãe
Trata-se de um profundo frente a frente comigo mesma. Nunca fui tão ao fundo dos meus próprios preconceitos, dos meus próprios medos. E tenho percebido nas últimas semanas, que se eu quero deixar uma boa pessoa no mundo, tenho que ter particular cuidado em não fazer julgamentos, baseados nos meus preconceitos e medos, na frente dela, da nossa pequena Maria. Porque cada vez que eu faço um comentário sobre o colégio, sobre a educadora, sobre a auxiliar, sobre o porteiro, sobre os amiguinhos, sobre a mãe dos amiguinhos, eu ensino a Maria a ser. Com 4 anos as crianças imitam os adultos. Se não formos construtivos e generosos, eles também não serão.
Educar a Maria tem sido reeducar-me.
Há coisas boas, infinitamente boas. Como por exemplo adormecer com a Maria. Como estes primeiros dias de chuva e névoa, se estamos quentinhos em casa. Como uma parvoíce qualquer que nos surpreende e nos faz rir até doer a barriga. Como uma canja de galinha com hortelã quando nos sentimos doentes. Como um dia em família, só feito de pasmaceira, de calma sossego e silêncio.
Estas têm sido as grandes coisas da minha vida, as simples, que me fazem sentir, que me fazem sentir melhor.
Às vezes é difícil perceber e aceitar que os Invernos nunca serão justos para os sem-abrigo, que tantas crianças nunca saberão o conforto de tanto amor quanto tem a Maria, que a vida real não é um conto de fadas.
Mas voltarmos para casa todos os dias, sãos e salvos, e reunirmos-nos os três nesta nossa bolha sagrada, é uma sorte maior do que grande. Devo não perder isso de vista, especialmente nos dias em que travo batalhas mais profundas com a minha tristeza. Ser mais justa e ser mais grata.