O grande desafio tem sido olhar para os sinais. Olhar para fora. Num mundo que nos diz que o eu é a prioridade, que nos ensina todos os dias a arte das pequenas guerras inúteis, dos desassossegos múltiplos dos quais somos reféns.

O meu sonho em relação a mim mesma é aprender a arte do silêncio.  Muito difícil. Ficar cada vez mais quieta em relação às tormentas. Deixar que a fúria alheia passe, como o vento, que há-de sempre ir dar a outros lugares.

A minha prioridade é a maternidade. Que me trouxe um olhar mais atento ao belo, à alegria, à magia das coisas quietas realmente importantes.

Hei-de sempre ser salva por uma erva que cresce na beira dos caminhos, por gatos-bebé a brincar em telhados de zinco numa tardinha cheia de sol, por um pássaro distraído a brincar em poças de água.

Nada é tão importante. Nem sequer nós o somos.

Contrastes




Novembro no mundo.

Assusta muito

O preço a pagar por estes dias extraordinários de um Outono generoso, com dias de céu azul e um sol que aquece a alma. Dias que lembram mais do que a Primavera, lembram o próprio Verão. Dias impróprios, ainda que o possamos justificar em Novembro, com o Verão de S. Martinho.

Há qualquer coisa que já não é igual quando desfrutamos de dias assim. O planeta está a declinar muito rápido. Penso na Maria, e na loucura das estações. Na nossa fragilidade e imbecilidade. Neste caminho sem retorno.

Vontade de voltar para a ilha








Lá faltava-me tudo aqui. O rio, o nevoeiro das manhãs, a cultura, o verde, o povo, a cidade velhinha e cheia de história. Mas os anos passam, e as saudades invertem-se. Tenho saudades do vento, das montanhas nuas, da exuberância exótica das flores, da lava negra, do silêncio, da paz, da liberdade e dos dias que parecem maiores todo o ano, das caminhadas, das acácias.

Nunca temos tudo.

Uma Família

 


É a maior herança. Ter com quem rir, com quem trincar os dias amargos, com quem partilhar os silêncios. Ter para quem voltar, no fim do dia ou no fim de uma viagem longa. Ter com quem apreciar as coisas simples como ficar sentado na beira do rio numa tarde de calor.

Ser de alguém; pertencer a.

Querida filha

Corre o mês de Outubro do ano 2024.

A mãe e o pai fazem contas à vida, o dinheiro não chega para casarmos e qualquer dia seremos expulsos da cidade, sendo que as casas no Porto quer seja para alugar ou comprar estão a preços proibidos.

O meu trabalho começa a fazer-me um cheque-mate mental. O teu pai não fala muito sobre as coisas dele mas sei que também não está fácil, vivemos num país de salários muito baixos e onde cada um tem que trabalhar por dois.

Morreu o cantor Marco Paulo, um dia falo-te nele.

Em Lisboa queimam carros nas ruas. Uma anarquia este país, uma desordem tal que cheira só a mau prenúncio.

A tua avó Betinha descobriu o Facebook.

Tens 4 anos e a tua avó Rosa e o teu avô José deram-te um chiclete. 

Decidi que não vou tomar a vacina nem da gripe nem do COVID.

Sinto-me muito cansada filha, tenho abandonado algumas pessoas no caminho, e vou abandonar mais. Sinto que não tenho capacidade nem braços para tudo, para tantos, para todos. Antes sentia-me culpada, agora já não. A consciência da minha finitude obriga-me a perceber que vou fazer o possível e está tudo bem. Concentro-me em ti e mesmo assim falho. Penso demasiado nas coisas, e devo dizer-te que não serve de muito. Às vezes ando triste, às vezes só me apetece viver. 

És tu a canção dos meus dias. A minha história de amor; o meu berço, o meu colo, a minha casa no mundo.

(...)

Nunca gostei do Halloween

Mas agora tenho uma filha, que gosta de tudo o que é festa. Procuro que as fantasias escolhidas envolvam pouca ou nenhuma maquilhagem e sobretudo evito tudo o que seja assustador. Trazer o terror para as nossas vidas, ainda que seja em modo brincadeira, não faz sentido para mim. E ver crianças tão pequeninas a carregar no corpo simbologias sinistras, faz-me mesmo muita confusão. A Maria já se vestiu de abóbora, de gato preto, e este ano vai ser uma princesa do Halloween. Alusivo mas sempre muito gira, e nada assustadora.

Caveiras, sangues e facalhões, jamais!

Conversas só com Deus


Esta semana emocionei-me a sério. Por causa de umas fotografias de um casamento. Por causa da beleza, da alegria, do amor. Por causa do querer; e da magia.

(...)

Continuo a procrastinar. Continuo a não procurar oportunidades por causa de compromissos com os outros e não comigo mesma. A vida é demasiado curta para eu ser assim.

O monstro despertou

Desde a gravidez que nunca mais fiz crises relacionadas com a minha pseudo anemia falciforme (traço 40% mas de forma rara com mais expressão de crises que casos da doença em si). Confesso que ao fim de quase 5 anos, já nem me lembrava do assunto. Mas no outro dia, quase morri de manhã. Sozinha em casa, sem sequer conseguir chegar ao telefone, sem conseguir gritar por socorro, sem conseguir andar nem sequer rastejar-me. Já foi há uns dias mas ainda me sinto a recuperar. É como uma descarga de energia brutal, uma espécie de reset, de curto circuito. Ando em modo de reiniciar.

De maneiras que me pus a ler sobre o assunto. E entre muitas coisas fiquei a saber que a minha esperança média de vida são 67 anos. A correr bem. Com o ritmo de vida que levo, e com o aflorar de nervos, stress e depressão dos últimos tempos, o prognóstico não me parece favorável.

É uma pena. A minha filha precisa de mim. A correr bem, ela terá 24 anos.